Memórias de um homem velho
Haviam-lhe dito que vivia assombrado. Que os corpos caídos são memórias guardadas, sem que sequer perceba os fios que foi tecendo ao longo da vida. Tinham-lhe dito que o importante, neste percurso que inexoravelmente o conduz à imortalidade, é quantidade de cadáveres que consegue preservar: porque os outros regressam e não o abandonam! Acompanham-no com a única finalidade de lhe acizentar o olhar. Querem entristecer as mãos que não os souberam ou quiseram proteger. São constantes, sombras permanentes que lhe enrugam a alma. Recomendavam-lhe cautela, para não se deixar intimidar pelos mortos sem que, contudo, deixasse de estar atento aos espíritos que o seguiam. Porque nem todos lhe desejariam bem. Contudo, foi naquela manhã que percebeu que afinal era ele que assombrava os seus mortos. Que os perseguia porque assim se penitenciava. A assombração era a água que o purificava de todas as palavras malditas do passado. As almas exigem que os liberte, mas ele não o pode fazer. As pa