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A mostrar mensagens de novembro, 2012

Ditos de Beatriz (ATUALIZADO)

Com dois anos. - Só um cadinho de bolo e não há mais! - Sho Mané, dois cafés e çucar. - Pa casa não. Passear. - Pai, não fujas (quando tu é que foges...). - Não corras (e desatas a correr). - Não é justo. A Inês a fazer óó... (porque querias brincadeira). - Shopa não. Batata! - Beatriz, não sejas má. Resposta: - Não é. És tu. Beatriz é linda!

Smart girl :).

E aos dois anos e um mês, sais-me com esta: ó pai, porque pões o (tele)jornal? Acabou-se o (tele)jornal.

Folhas mortas

Uma folha em branco. Nada emerge dela. Não se desenha um sorriso, não se ilumina nenhum olhar. Nenhuma voz amiga se ouve. Apenas a folha em branco. Um branco translucido, que não permite desflorar qualquer imagem, qualquer palavra, que nela esteja escondida. O sentido, se o há, oculta-se, dissimula-se. É aqui que reside a solidão, nesta folha que não se desfolha. A névoa que não se desvanece. Foram anunciadas formas se nos atrevêssemos agarrar à folha. Somos ousados, fazemos o que nos mandam e nada acontece. Depois, depois é a cegueira de desejos proibidos. É, eu sei que isto parece conversa de velhos. Mas aqui não há novos. Esta é a fase em que a história para ser contada é de um velho, sim, é certo, que conheceu o mar, mas que não teve mãos para o agarrar. E o mar é grande demais que nos transformaríamos em estátuas de sal se o quiséssemos possuir todo. Tentou-se bebê-lo, mas o travo amargo pode-nos afogar. Os trilhos que se nos abrem são pouco amistosos e no mundo líquido não

True light ou uma tentativa de contar histórias, quando nada se tem para contar.

No negro silêncio da noite, ele não viu o sorriso que lhe incendiou o rosto. De resto, não viu nada. Sentia o calor confortante da sua cabeça encostada ao peito. Ouvia o gemido baixo, lento, quase como um cântico. A Missa de Mozart.  Um choro sufocado por uma alegria radiante. Mas não lhe viu o sorriso. Perdeu o mar que derramava dos seus olhos. E se o soubesse, anular-se-ia irremediavelmente. ------------------------------------------------------------------------------------------------------------ Ela teve a certeza de que a sua semente havia ficado dentro de si. Que desta vez não havia erro. Ali, naquela noite, tinha sido dado início ao lento processo de germinação de uma nova vida, que não sendo um ou outro, era ambos e, no entanto, muito maior do que qualquer um deles poderia alguma vez ser. ------------------------------------------------------------------------------------------------------------ Ele nega, mas gosta de folhear a tarde de outono, página a página,

Fala Elisabeth Costello*

Paira no ar um cheiro a dor. Escrevo-te estas linhas para que não te esqueças. Porque um sorriso faz-te esquecer e perdoar com demasiada facilidade. E o perdão é para ser concedido devagar, com merecimento e apenas podes legar às memórias mortas aquilo que já não te queima. E hoje cheira a dor e é assim que te deves manter. Não te podes deixar levar pelo sorriso fácil, espontâneo e estridente. Não te deixes contaminar pela sua alegria, que te engana; pelo seu olhar, que te faz perder a angústia que te mantém inteiro, consciente, racional, integral e íntegro. Talvez ela  não o faça propositadamente, não será genial o suficiente. Contudo, faz-te navegar num vaivém constante entre um estádio e outro e nesta arte de marear sentes-te nauseado. Vomita-a da tua boa.** Recorda-a como ela é para ti: a imagem da deusa que não queres seguir. A Dor. Quando encarares o seu olhar sorridente, quando a olhares inteira, nota que ela sobe a bainha para te torturar com a suavidade lívida e estonteant

A voz da mulher

Eu não sei o que foi o passado. O passado passou. Lembro-me que me apaixonei. Não queria, nem me apercebi da sua chegada. Mas, de mansinho e insidiosamente, ele foi-se instalando. Foi ocupando espaços que se encontravam vagos que eu não sabia existirem. Foi uma viagem serena, a deste sentimento. Foi seguindo pistas antigas: aqui uma planície, ali uma mão quente. O conforto de sentir o sol tépido de maio no rosto. Foi o despertar destas memórias que o catalisaram para mim. Inicialmente era apenas mais um trabalho. Mas a angústia que se lhe desprendia do olhar enternecia-me. E sentindo o seu corpo, frágil, gelado sob as minhas mãos, comecei a sentir o calor que derramava nos seus olhos. Apenas o olhar era quente. Um vulcão que emerge da mais gelada das tundras. O nascimento de uma estrela nas profundezas gélidas do universo. Então, as suas palavras sabiam a lágrimas, que bebia sofregamente. Era uma espécie de droga: inebriava-me com a sua tristeza. Se chegava e via-o mais bem-h

Limit to love

O Homem-lento sai para a luz. Está farto de ser prisioneiro e verdugo de si próprio. Está saturado da sombra para onde se recolheu. E ao sair, percebe que a flor lilás morreu. Que a flor morreu lilás. Compreende que perseguia a imagem cristalizada de um dos seus retratos cor de sépia. O fino contorno dos lábios, o olhar terno, as mãos seguras eram apenas a projeção da sua fantasia. Ela, a que ele julgava ser a sua redentora, era demasiado colorida para poder ser a curandeira, a enfermeira. Ela não veio para o salvar da morte e da ausência. Ela não emergiu desse mundo querido. Ela apenas veio porque sim. Porque ali estava, naquele dia. Porque esse é o seu trabalho. Mera casualidade, nada de causalidade. O belo, se o tinha, havia reservado para um lar longe do seu. O fogo que queimaria a sua pele não seria o das suas mãos. Era outro; era por outro; era para outro. E de repente a agonia termina. A náusea por se sentir perdido desvanece-se. Não vomita mais a sua fealdade, p

Ladrão de juventude

A solidão do Homem-lento acompanha sempre a sua sombra. Caminham lado a lado sem darem conta das suas presenças. A sombra, negra mas leve, precede o Homem-lento. A solidão, contudo, vem sendo carregada sobre os seus ombros, inclemente e indiferente ao defeito do homem. Sabe que apenas ela o salvaria e por isso está disposto e engolir às golfadas toda a sua juventude. Ainda que isso a transforme. Precisa dela para se sentir vivo, para continuar a acreditar que a vida tem sentido. É velho, é lento, é defeituoso, mas não quer ser absurdo. Quer continuar a viver. E apesar de ter consciência da extravagância que é, na sua decrepitude, desejar ainda um corpo e uma alma, não tem forças para resistir. O apelo da sua mente jovem, a macieza de seda da sua pele, a fragrância a orquídeas, antúrios e lírios que dela exalam, são demasiado apelativos. Frémito, teme cheirar demasiado a velho pelas bolas de naftalina que guarda nos roupeiros e se perdem nos bolsos. Desconhece que é o cheiro a

E porque é lento, não tem direito a amar*

Ridículo. O Homem-lento não tem direito ao amor. Não vê a sordidez escandalosa e obscena que é o homem-de-uma-perna-só desejar o corpo saudável, pleno de vida, de uma mulher jovem? Que lhe passará pela cabeça? Terá mesmo acreditado que ela o amaria? Que ela substituiria a paixão que sentia, por afeto e admiração? Que era digno de sentir a pele macia das suas coxas nas mãos velhas, calosas e gastas? Que poderia ser dono da suavidade de seda da pele dela? Exaltava-o imaginar ser merecedor de uma massagem apaixonada. Beijaria os seus olhos, beberia as suas lágrimas sofregamente: sim, meu amor, não chores, estou aqui para ti, não te deixarei, não te abandonarei nunca, acompanhar-te-ei sempre, desde que me prometas amor eterno, afinal já não falta muito, a eternidade para mim são apenas uns anos, sim meu amor, fica comigo, beija-me e ama-me, venera-me até ao fim, deixa tudo, vá, mesmo que não deixes, associa-me à tua vida, inclui-me na tua lista de afetos, só ele e eu, ninguém mais, p