Ladrão de juventude
A solidão do Homem-lento acompanha sempre a sua sombra. Caminham
lado a lado sem darem conta das suas presenças. A sombra, negra mas leve,
precede o Homem-lento. A solidão, contudo, vem sendo carregada sobre os seus
ombros, inclemente e indiferente ao defeito do homem.
Sabe que apenas ela o salvaria e por isso está disposto e
engolir às golfadas toda a sua juventude. Ainda que isso a transforme. Precisa
dela para se sentir vivo, para continuar a acreditar que a vida tem sentido. É
velho, é lento, é defeituoso, mas não quer ser absurdo. Quer continuar a viver.
E apesar de ter consciência da extravagância que é, na sua decrepitude, desejar
ainda um corpo e uma alma, não tem forças para resistir. O apelo da sua mente
jovem, a macieza de seda da sua pele, a fragrância a orquídeas, antúrios e
lírios que dela exalam, são demasiado apelativos.
Frémito, teme cheirar demasiado a velho pelas bolas de naftalina que guarda nos roupeiros e se perdem nos bolsos. Desconhece que é o cheiro a alfazema que a repele. Esse cheiro floral que chama a morte. E não compreende que a sua
eternidade tem apenas a duração de uma flor lilás.
Vê passar jovens sorridentes e pensa que no seu sorriso mora
a ignorância. Se conhecessem a verdade, de que afinal, não há verdade, que esta
assume demasiadas formas, não sorririam tão despreocupadamente. Despudoradamente!
Arrasta-se, de novo, até ao seu covil. Treme com o frio e
com a angústia. Acaricia o coto, para confirmar que a perna não existe. Não se atreve a tocar no peito. Triste, prefere acreditar que o coração ainda lá está!
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