Limit to love

O Homem-lento sai para a luz. Está farto de ser prisioneiro e verdugo de si próprio.
Está saturado da sombra para onde se recolheu.
E ao sair, percebe que a flor lilás morreu. Que a flor morreu lilás.

Compreende que perseguia a imagem cristalizada de um dos seus retratos cor de sépia. O fino contorno dos lábios, o olhar terno, as mãos seguras eram apenas a projeção da sua fantasia. Ela, a que ele julgava ser a sua redentora, era demasiado colorida para poder ser a curandeira, a enfermeira. Ela não veio para o salvar da morte e da ausência. Ela não emergiu desse mundo querido. Ela apenas veio porque sim. Porque ali estava, naquele dia. Porque esse é o seu trabalho. Mera casualidade, nada de causalidade.

O belo, se o tinha, havia reservado para um lar longe do seu. O fogo que queimaria a sua pele não seria o das suas mãos. Era outro; era por outro; era para outro.

E de repente a agonia termina. A náusea por se sentir perdido desvanece-se. Não vomita mais a sua fealdade, porque disso não tem necessidade. Tal como já não tem necessidade de engolir a beleza de uma falsa Madona. Não procura mais descobrir os demónios da mulher. Porque sabe que os retratos originais, ainda que velhos e gastos, são sempre preferíveis à inautenticidade.

Pensa: há um limite para o teu amor!* E o amor é demasiado limitador!

O Homem-lento percebe agora que procurava a verdade onde apenas havia dissimulação. E neste erro, confundiu a figurante com a protagonista.

Amaldiçoa-se. Deveria saber melhor. Há muito tempo que conhece as verdadeiras cores que o pintam. E os fios que o tecem. E sabe que os aromas enganam.
Sente o absurdo do erro. Que ela entre, que faça o que tem a fazer e que se vá. O ar, no seu quarto afinal não é tão bafiento. E sempre é preferível o cheiro doce dos livros; a intensidade constante da alfazema à efemeridade de um desejo por alguém que não existe. E a que existe, definitivamente, ele não a quer.
Que vá, pois. Que vá e o deixe em paz.

*A partir do Limit to Love, de James Blake.

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