Folhas mortas
Uma folha em branco. Nada emerge dela. Não se desenha um
sorriso, não se ilumina nenhum olhar. Nenhuma voz amiga se ouve. Apenas a folha
em branco. Um branco translucido, que não permite desflorar qualquer imagem,
qualquer palavra, que nela esteja escondida. O sentido, se o há, oculta-se, dissimula-se.
É aqui que reside a solidão, nesta folha que não se
desfolha. A névoa que não se desvanece. Foram anunciadas formas se nos atrevêssemos
agarrar à folha. Somos ousados, fazemos o que nos mandam e nada acontece. Depois,
depois é a cegueira de desejos proibidos.
É, eu sei que isto parece conversa de velhos. Mas aqui não
há novos. Esta é a fase em que a história para ser contada é de um velho, sim,
é certo, que conheceu o mar, mas que não teve mãos para o agarrar. E o mar é
grande demais que nos transformaríamos em estátuas de sal se o quiséssemos possuir todo. Tentou-se bebê-lo, mas o travo amargo pode-nos afogar. Os trilhos que se
nos abrem são pouco amistosos e no mundo líquido não há mais caminhos.
Sinto-me esgotado. Não tenho idade para a novidade suave de
uma pétala de orquídea. Aos velhos deveria ser concedida a misericórdia de não
amar. O desejo deveria ser interdito. Deveria restar apenas a demência e a
serenidade merecida pela vida que se sofreu. Porque a vida sofre-se, não se
vive. Quero dizer, a vida não é vivida, é padecida. Sente-se na carne como uma
chaga sempre aberta, sempre a sangrar. O milagre é uma utopia e sabe-se disso
quando se é velho. Ouvem-se ecos de almas distantes. Mas são almas mortas. E todos nós sabemos que não podemos confiar
nos mortos. Eles existem apenas nos retratos e é lá que devem permanecer. Ouvir
os mortos é apenas sinal de senilidade. E temos de nos agarrar aos sinais. Ainda
que sejam confusos.
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