A voz da mulher
Eu não sei o que foi o passado. O passado passou. Lembro-me
que me apaixonei. Não queria, nem me apercebi da sua chegada. Mas, de mansinho
e insidiosamente, ele foi-se instalando. Foi ocupando espaços que se
encontravam vagos que eu não sabia existirem. Foi uma viagem serena, a deste
sentimento. Foi seguindo pistas antigas: aqui uma planície, ali uma mão quente.
O conforto de sentir o sol tépido de maio no rosto.
Foi o despertar destas memórias que o catalisaram para mim.
Inicialmente era apenas mais um trabalho. Mas a angústia que
se lhe desprendia do olhar enternecia-me. E sentindo o seu corpo, frágil,
gelado sob as minhas mãos, comecei a sentir o calor que derramava nos seus olhos.
Apenas o olhar era quente. Um vulcão que emerge da mais gelada das tundras. O nascimento
de uma estrela nas profundezas gélidas do universo.
Então, as suas palavras sabiam a lágrimas, que bebia
sofregamente. Era uma espécie de droga: inebriava-me com a sua tristeza. Se
chegava e via-o mais bem-humorado, toda eu tremia, antecipando a abstinência da
angústia. A ausência da desesperança dos outros pode ser aterradora.
Precisava dela para me sentir viva. Sim, é verdade que a
solidão de outrem é confortante.
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