Sobre os sem-abrigo

Desde que foi publicada a reportagem no DN-Madeira, no dia 21 de janeiro, sobre os sem-abrigo do Funchal, que vejo por aí muitos escritos sobre o assunto.
Em primeiro lugar tenho de dizer que a abordagem feita pela jornalista é pouco personalista, uma vez que não observa a dignidade absoluta que é devida à pessoa humana. É uma abordagem que objectifica o que é absolutamente subjectivo. E por isso, creio, gerou muita indignação. Mas é curioso que, do que leio, percebe-se que passe a indignação - que é legítima e salutar, porque enquanto nos indignamos mostramos ter ainda um pingo de humanidade e sem ela não é possível transformar o mundo para melhor! -, a maior parte dos escritos revela uma absoluta ignorância sobre as causas do problema e, logo, sobre as respostas que a sociedade tem de dar para o resolver.
Eu também estou longe de ser especialista mas pelo que tenho lido e pelo que tenho observado a maior causa do fenómeno é de origem psiquiátrica e psicológica e não a pobreza, como erradamente se faz crer. Há pessoas sem-abrigo que são atiradas para a rua devido à pobreza mas, por norma, nestes casos, o drama é provisório. O desejo e ação individual mais as respostas sociais existentes, seja da administração pública, seja de instituições de solidariedade social, por norma, resolvem esse problema (podem não resolver todos os problemas dessas pessoas, mas, regra geral, tira-as da rua).
Todavia, quer me parecer que muitos dos sem-abrigo sofrem de patologias psiquiátricas, dependências e, por vezes, de sociopatia. E, nestes casos, é muito mais difícil retirá-los de lá. Como retiramos da rua alguém que não quer sair dela? Como mandamos para tratamento quem não tem a mínima vontade de se curar?
E o problema é que muitas vezes estas pessoas mantêm um grau de autonomia que impede familiares e o Estado de intervir.
Há respostas? Há, claro que sim. Um trabalho continuado com estas pessoas, um acompanhamento psicológico com vista ao empowerment e reforço de competências pessoais e sociais pode ajudar a consciencializá-las para o seu problema. Contudo, este é um trabalho continuado a transdisciplinar que, infelizmente, em momentos de crise, as sociedades não estão disponíveis para financiar.


Não se pense contudo, que, mesmo assim, se conseguiriam retirar todos os sem-abrigo das ruas. Há quem faça desta,  consciente e voluntariamente, uma forma de vida. Revelará isto uma doença psiquiátrica? Talvez. Como disse, não sou especialista e não o sei explicar. O que acho, ainda assim, é que temos sempre de considerar a possibilidade de haver quem não queira viver como a maioria de nós. Pode haver quem considere que essa é uma forma de vida interessante. Conheço alguns casos assim que, passe essa “loucura”, não aparentam qualquer outro tipo patologia ou sequer necessidade. Por isso, essa é sempre uma possibilidade a considerar.

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