DE SUBSÍDIOS, DIREITOS E DA TURBA JUSTICEIRA QUE ENFERMA AS REDES SOCIAIS Opinião | 19/04/2018 08:49
Sei que vou destoar da moralista e justiceira turba facebookiana e desiludir alguns dos que fazem o favor de ler estas linhas e irritar outros tantos.
Mas um imperativo de consciência não me permite que este meu artigo seja sobre outro assunto.
Vou escrever sobre a última polémica que incendiou as redes sociais: o alegado duplo subsídio que os deputados insulares estariam a beneficiar para as suas deslocações entre Lisboa e os seus círculos eleitorais.
Conforme escrevia um amigo meu, a ética republicana é a Ética da República. Quer isso dizer que a ética republicana define um código de conduta socialmente reconhecido e aprovado, constituído por um conjunto de regras, normas e valores partilhados e consensuais entre os diferentes indivíduos que integram essa mesma República. Será, então, aquilo que poderemos designar por “moralidade” republicana, que nos compromete a todos e orienta o nosso comportamento.
A ética republicana não pode ser confundida com a Ética, que nos remete para a esfera privada de ação, para consciência individual e que se situa no plano das virtudes pessoais e das intenções de cada ser individualmente considerado.
Assim sendo, deve-se entender por ética republicana o conjunto de práticas comumente aceites e assentes no direito e na legalidade. Só!
Esclarecidos neste ponto, não me parece que o facto dos deputados madeirenses e açorianos terem beneficiado do regime de apoios à mobilidade fira qualquer princípio ético (republicano). Antes de mais porque o abono para as viagens é pago pela Assembleia da República, quer os deputados viajem ou não. Depois, porque mesmo que quisessem, os deputados não podem devolver esse abono ao erário público.
A República entendeu que esse é um abono devido aos deputados eleitos pelos seus arquipélagos e isso é independente do tarifário definido para as viagens entre as Regiões Autónomas e o território continental. Não há aqui qualquer duplicação de benefícios.
O Estado está obrigado a garantir a continuidade territorial - materializada no tarifário das viagens - para todos e não exclui ninguém e muito menos os titulares de cargos públicos.
De resto, tal como os deputados de fora de Lisboa são abonados com subsídios para viagens e deslocações e podem beneficiar, simultaneamente, de outros regimes excecionais (para gasolina, em oficinas, portagens, transportes públicos ou qualquer outro, ao abrigo de acordos com o Estado Português para titulares de cargos públicos). Neste caso em apreço, os deputados insulares, porquanto residem nas ilhas, beneficiam de um abono de 500,00€ para viagens e pagam pelas viagens o que pagam os demais residentes nos arquipélagos. Porque são de facto residentes. Tudo certo e tudo sério. E, se quisermos ser rigorosos, este até é um benefício menor do que aquele que têm os colegas do continente uma vez que para esses, para além dos abonos mensalmente pagos em razão da distância do seu círculo eleitoral e da sua residência, o Estado estabelece acordos que permitem descontos excecionais (de que estão excluídos os demais cidadãos).
Assim, toda esta pseudopolémica não passa de uma tentativa para fazer colar aos deputados insulares, uma vez mais, o rótulo de párias da sociedade, o que manifestamente prejudica e enfraquece as autonomias e o princípio da subsidiariedade representativa, chamemos-lhe assim. Isto, por parte dos seus autores. Por parte da turba, admito que muitos estejam de facto informados e que os indigne que o Estado abone os deputados para viagens que são subsidiadas. Mas, na generalidade, este incêndio de indignação mediática decorre apenas da facilidade de julgamento, de conteúdo absolutamente acrítico, que enforma e enferma (e já agora inferniza) as redes sociais.
Quero com tudo isto dizer que concordo com o modelo existente? Não. Creio que haverá modelos melhores e mais transparentes (por exemplo, a Assembleia pagar as viagens diretamente, não apenas aos insulares, mas a todos os deputados que comprovem as viagens realizadas). Mas lá por discordar, não embarco em patranhas populistas com objetivos claramente definidos e que se alimenta da fúria justiceira que prolifera nas redes sociais.
https://www.jm-madeira.pt/opinioes/ver/1210/De_subsidios_direitos_e_da_turba_justiceira_que_enferma_as_redes_sociais
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