RADICALMENTE SOCIAL-DEMOCRATA! Opinião | 09/07/2020 08:54


Sou daqueles que acredita que a gestão das instituições não é melhor, mais honesta ou mais transparente por serem de natureza pública ou privada.
Não acho que umas sejam piores do que as outras ou mais sujeitas a fraude ou outro tipo de falcatruas, apenas devido à natureza do seu “acionista”. Conheço muitos decisores, dirigentes e até técnicos da administração pública que gerem de forma exemplar os orçamentos pelos quais estão responsáveis. Aliás, conheço técnicos com vencimentos miseráveis que gerem orçamentos de milhões e não ficam atrás de qualquer gestor privado de renome ou da moda (esses sim, muitas vezes, com vencimentos principescos). Tal como conheço muitos gestores privados que gerem os seus orçamentos e instituições, não apenas observando os interesses dos acionistas, mas também os dos trabalhadores e os da própria comunidade onde se inserem. Conheço um, que escreve para a concorrência com os poucos caracteres que lhe concedem, que é apelidado de “o melhor patrão do mundo”.
Dito isto, pertenço àquela categoria que acredita que a seriedade da gestão depende quase exclusivamente do perfil de quem está à frente das instituições. Não é por ser pública ou privada que uma instituição é mais bem gerida ou gerida de forma mais honesta.
Ora, vem isto a propósito das duas nacionalizações que foram feitas recentemente pelo Estado Português: Efacec e TAP. Sei bem que a natureza dos processos é distinta e com motivações diferentes: se no caso da Efacec importava libertar a empresa da influência nefasta e da sombra nociva de Isabel dos Santos, no da TAP a argumentação recai na necessidade de salvar a empresa da falência.
Independentemente das razões que levaram às nacionalizações, já que elas foram feitas, devemos equacionar muito bem o que fazer com elas. Há empresas que foram muito mal privatizadas, como os CTT ou a REN. Empresas monopolistas, sem qualquer tipo de possibilidade de entrarem em mercado concorrencial. Neste caso, temos duas empresas que trazem valor acrescentado ao país. Ora, se o Estado conseguir provar que é capaz de gerir eficazmente estas duas empresas, não vejo por que razão deverão ser reprivatizadas, uma vez que, quando privadas, tiveram gestão danosa. Por que carga d’água deverá o Estado transferir para privados a inovação tecnológica da Efacec, se a teve de defender de… investidores privados? Ou porque haverá o Estado de privatizar a TAP, uma vez que a teve de salvar de uma gestão privada que não defendia os interesses da empresa (por isso acumula prejuízos há 3 anos consecutivos), nem do seu principal acionista (Estado) ou sequer do interesse público?
E já que falamos em créditos da iniciativa privada, seria bom percebermos quanto vão investir os acionistas privados na TAP. Se o Estado entra com, pelo menos, 1.400 milhões de euros, com quanto vai entrar o acionista “Trabalhadores” (5%) e o acionista Humberto Pedrosa (23%)? Porque se os lucros são para partilhar, os prejuízos também. Ou então, saem do capital da empresa.
Sobre isto, de boa ou má gestão, importa também observar o caso da EDP. Os agentes privados do mercado, os liberais e as instituições europeias exigiram a sua privatização. Enquanto empresa pública era lucrativa, prestava um bom serviço e era uma empresa com uma forte componente de inovação tecnológica. Depois de privatizada – bem, privatizada não, uma vez que passou para as mãos do Estado Chinês -, não apenas perdeu algumas destas características, como ainda passou a ser conhecida por esmifrar os contribuintes portugueses com rendas excessivas – sim, aqui grande parte das culpas é do Estado -, e adicionou ao rol uma gestão corrupta.
Por outro lado, não deixo de observar a ironia que é ver as grandes empresas que se queixam da ingerência dos Estados na economia estarem de mão estendida para o Estado quando a coisa começa a correr mal, seja por razões endógenas (má gestão ou gestão criminosa) ou exógenas (esta crise atual, por exemplo). Vimos isso com a banca, vimos isso com a TAP, vimos isso com muitas das grandes empresas. Então como é? É para continuarmos a manter a lógica iníqua de privatizar lucros e nacionalizar prejuízos?
Por isso é que me revejo na afirmação: “(…) posiciono-me enquanto social-democrata radical, o que significa que aceito a economia de mercado, mas também parto do pressuposto de que a economia de mercado para funcionar de forma eficiente e justa exige que seja fortemente impura”, de Ricardo Paes Mamede (entrevista ao Público, em 2018). De facto, para a economia de mercado funcionar corretamente, é necessário que não seja radicalmente uma economia de mercado. Só assim serve o interesse da comunidade.

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