COMUNIDADES E INIQUIDADES Opinião | 09/04/2022 08:00


No dia 25 de março, foi publicado o Decreto-Lei 28-B/2022, que estabelece medidas relativas ao reconhecimento de qualificações profissionais de beneficiários de proteção temporária, no âmbito do conflito armado na Ucrânia. Este decreto-lei tem como grande objetivo permitir que as pessoas deslocadas comecem a exercer a sua atividade profissional com celeridade, permitindo-lhes, assim, assegurar os meios necessários à sua subsistência.

Esta é uma excelente notícia para os refugiados ucranianos e vem provar que quando os governos querem é possível encontrar soluções humanistas, justas, legais e equitativas para problemas específicos, que afetam grupos específicos.

Por isso, é incompreensível que o país não se tenha empenhado desta forma para facilitar a integração dos milhares de migrantes lusovenezuelanos que regressaram a Portugal nos últimos 6 anos, fruto da crise socioeconómica, política e até humanitária que se vive na Venezuela.

É verdade que estes migrantes não são refugiados, stricto sensu, mas ninguém negará que aquele país vive uma crise muito profunda e que muitos migrantes que de lá saem não vão à procura de fortuna, mas tão somente da sobrevivência. As dificuldades económicas, associadas às dificuldades de acesso a bens essenciais, à falência do sistema de saúde, à corrupção que infecta todo o edifício burocrático e administrativo e a uma criminalidade que revela absoluto desprezo pela vida humana fazem da Venezuela um estado para cujos emigrantes deveríamos encontrar soluções específicas. Perceba-se o seguinte: hoje em dia, nalguns casos, é quase impossível obter toda a documentação, devidamente apostilada, exigida pelas instituições portuguesas, para efeitos de obtenção de reconhecimento de habilitações e para equivalências.

Por isso, sim, devemos exigir que o país olhe para estes migrantes com uma atenção especial. E falo em país, e não apenas no Governo da República, porque os poderes corporativos, como algumas ordens profissionais, obstaculizam, tanto quanto podem, o acesso dos profissionais lusovenezuelanos à carreira. É certo, também, que algumas ordens, como as dos engenheiros, têm, ao abrigo de convénios bilaterais, permitido que estes migrantes possam exercer as suas profissões em Portugal. Mas outras, como a dos médicos, têm adotado uma atitude absolutamente intransigente, mas também incompreensível, ante o drama que vivem centenas de profissionais qualificados que tiveram de fugir daquele país sul-americano. Enquanto isso, ganham “nuestros hermanos”, que com muito menos burocracia e com mais sentido prático, aproveitam as valências destas pessoas para o seu próprio desenvolvimento.

Mas vai ainda a tempo o Primeiro-Ministro de emendar a mão e corrigir essa injustiça. A bem da equidade e da inclusão!

Estranho também que o novo Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, Paulo Cafôfo, ainda não tinha dito uma única palavra a este respeito. Prometeu defender os interesses das diversas comunidades e ter uma especial atenção à diáspora madeirense, mas sobre assuntos verdadeiramente relevantes, como este, não se lhe ouviu uma palavra. Dir-me-ão que está apenas a iniciar o seu mandato e ainda se está a inteirar dos diversos dossiês. Tudo certo, mas este é um assunto que não necessita de muitos requisitos técnicos uma vez que é uma mera medida política. Qualquer pessoa com um mínimo de sensibilidade para estas questões percebe o que aqui está em causa. Assim que, se até agora nada disse, tudo o que venha a dizer, de futuro, será demasiado tarde.

E é por estas e por outras que acho peregrina aquela ideia que nos quiseram impor de que seria um motivo de orgulho para a Madeira um madeirense ter sido escolhido para Secretário de Estado. Assim se prova que os problemas que afetam a nossa Região e as nossas gentes não merecem qualquer atenção especial só porque temos um madeirense no governo. É uma ideia peregrina e muito provinciana, que no essencial nos menospreza. Na Madeira há pessoas muito qualificadas para exercer qualquer lugar na Administração e/ou no governo. Ser chamado para este tipo de funções é algo que deveria ser encarado com normalidade. Se não há mais madeirenses a serem chamados, não se trata de falta de qualidade ou capacidade dos nossos quadros.

Na semana passada também ficamos a conhecer as novas caras que irão acompanhar Paulo Cafôfo no Palácio das Necessidades. A esmagadora maioria não foi escolhida por Paulo Cafôfo. Curiosamente, a mesma maioria que irá garantir o funcionamento da Secretaria de Estado. Creio que nem mesmo Paulo Porto Fernandes, deputado luso-brasileiro com raízes madeirenses, foi escolha do Secretário de Estado. E isso são boas notícias. Significa que o gabinete de Paulo Cafôfo não será dominado por apparatchiks do PS-M, dispostos à permanente guerrilha ao Governo madeirense, por razões partidárias.

Resta-me desejar que o seu gabinete seja tão proficiente e cooperativo com as autoridades regionais conforme o foram os seus predecessores. Para bem das nossas comunidades.

PS - Bucha deveria ser a vergonha de todos aqueles que se recusaram, não condenaram ou tentaram justificar a invasão da Ucrânia. Mas o PCP, com a sua infindável capacidade de nos surpreender, consegue ser sempre um pouco mais iniquo. Desta feita, votando contra a possibilidade de Zelensky discursar na Assembleia da República. A história encarregar-se-á de condenar as atitudes deste partido, cada vez mais anacronicamente irrelevante.

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