A nossa casa também se constrói lá fora 25-07-25
Durante demasiado tempo, os emigrantes madeirenses foram
olhados com desconfiança por parte do poder político. Partiam por falta de escolha,
fugindo à miséria e à falta de futuro. Levaram nas malas a coragem e nos olhos
a saudade, mas, cá dentro, os regimes faziam por esquecer que existiam. Salazar
via-os como braços que desertavam e, pior ainda, como esponjas dessas ideias perigosíssimas
como liberdade e democracia. O Estado Novo, que tanto falava de pátria, nunca
soube incluir os que tiveram de abandonar aquela que os pariu, para viver com a
exígua dignidade de poder comer um bocado de pão.
Foi só quando as remessas começaram a fazer diferença — e
fizeram mesmo muita diferença! — que os emigrantes passaram a ser tolerados.
Não reconhecidos. Tolerados. Serviam para equilibrar a balança de pagamentos.
Mas continuavam a ser vigiados, controlados, mantidos à distância. Valiam mais
pelo que enviavam do que pelo que representavam.
Foi a democracia que mudou isso. E, sobretudo, a autonomia. A
partir do momento em que a Madeira passou a pensar por si mesma e o povo
madeirense a decidir o seu destino, começou também a olhar para os seus
emigrantes de outra forma. Não como braços perdidos, mas como parte do corpo.
Foi nesse novo tempo que, em 1977, nasceu o Madeirem‑77, o primeiro grande encontro da
“família
madeirense” espalhada pelo mundo.
Durante cinco dias, o Funchal tornou-se o centro da nossa
diáspora. Vieram madeirenses de França, da Venezuela, do Brasil, da África do
Sul, do Canadá, da Austrália. Vieram contar as suas histórias, reclamar o seu
lugar, reforçar os laços com a terra que os viu nascer. Não foi um mero
encontro simbólico. Foi um ato fundador. Por isso lhe chamam, com justiça, a
“pia-batismal” das comunidades madeirenses. Dessa reunião nasceu o Centro do
Emigrante, criado a 1 de julho de 1977, na Rua 5 de Outubro. Ali se começou a
construir uma ponte entre os que partiram e os que ficaram. Ali se deu o
primeiro passo para tratar os emigrantes como cidadãos de pleno direito, e não
apenas como carteiras ambulantes.
Hoje, quando se realiza o Fórum Madeira Global 2025 e se reúne
o Conselho da Diáspora Madeirense, vale a pena olhar para trás e lembrar esse
momento inaugural. Porque, no fundo, o que está em debate continua a ser o
mesmo: autonomia, identidade e desenvolvimento. E a verdade é que nenhum destes
três pilares se sustenta sem os outros dois. A autonomia permite-nos fazer
diferente. A identidade mantém-nos ligados. E o desenvolvimento exige que
saibamos aproveitar todos os nossos recursos, especialmente os humanos, mesmo
os que estão longe.
A Madeira de hoje já não se limita às suas ilhas. A Madeira
estende-se pelos bairros de São Paulo, pelas comunidades em Caracas, pelas
zonas agrícolas da África do Sul, pelas cidades do Canadá, Reino Unido, EUA ou
Austrália. Onde houver um madeirense, há uma parte da nossa história e há
também uma parte do nosso futuro. Não podemos cair na tentação de ver a
diáspora apenas como promotores turísticos ou fonte de investimento. Que também
são. Mas isso seria repetir a visão utilitária do passado. Temos de ir mais
longe: envolver, ouvir, corresponder. Criar canais, redes, políticas de
continuidade. Manter viva essa ligação afetiva, identitária e cívica.
O Madeirem não foi só um evento. Foi um compromisso. Quase
cinquenta anos depois, o seu espírito continua atual: reconhecer que a Madeira
não é apenas o que está aqui, mas também o que vive lá fora. E continua vivo:
no Fórum Madeira Global que se realizou ontem ou no Conselho da Diáspora que se
reunirá hoje.
A nossa casa, para ser inteira, não pode jamais esquecer a
totalidade dos seus filhos. E esses são os que cá estão e todos aqueles que se encontram
nos balcões e nas janelas abertas e viradas para o mundo. A Madeira está mesmo
onde está um madeirense. E para este Governo Regional, todos contam!
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