A Diferença que Une JM 17_11_2025
Confesso que não queria voltar a
este tema. Gostaria que o debate público em torno da imigração já tivesse
superado o ruído das generalizações e dos preconceitos. Mas perante o
ressurgimento de discursos populistas e xenófobos, alguns deles por parte de
agentes políticos madeirenses, que procuram reduzir pessoas a números, e
transformar quem chega em bode expiatório para os problemas sociais e
económicos, o silêncio seria uma forma de cumplicidade ou cobardia.
É por isso que importa voltar a
falar. Para desmontar as falsas e estafadas narrativas que se vão instalando: a
ideia de que os estrangeiros “vêm tirar o que é nosso”, “sobrecarregar o
sistema” ou “descaracterizar a nossa identidade”. Nenhuma dessas afirmações
resiste ao escrutínio dos factos. O que está em causa não é a presença dos
imigrantes, mas a nossa capacidade – ou a falta dela! - de pensar e de construir
políticas adequadas e justas e uma convivência baseada na equidade e no
respeito.
Os estrangeiros não são problema.
São parte da solução. Contribuem para o rejuvenescimento da população, para a
economia, para o dinamismo cultural e social. Muitos fazem o trabalho que já
poucos madeirenses aceitam fazer, sustentam sectores inteiros e pagam impostos
como todos nós. O seu contributo fiscal é efetivo. O seu saldo líquido para a
Segurança Social é positivo. A sua presença aumenta o nosso potencial de
criatividade e de inovação. Temos mesmo de olhar para este fenómeno como um
recurso ao serviço da Região e não como uma ameaça.
Os agentes e as políticas públicas
devem encarar o fenómeno migratório sem preconceitos, mas também sem ingenuidade.
Os imigrantes, como qualquer pessoa que vive numa sociedade, devem gozar dos
mesmos direitos fundamentais, mas também partilhar das mesmas
responsabilidades. O direito à dignidade, ao trabalho, à saúde ou à educação é
inseparável do dever de respeitar as leis, de observar as normas éticas e
morais, de contribuir para a comunidade e de participar na vida coletiva.
Mas há outro aspeto essencial: o
respeito pela cultura, pelos valores e pelas tradições dos povos que acolhem.
Integrar-se não significa abdicar da própria identidade, mas reconhecer que
cada país tem uma língua, uma história, uma memória, uma identidade e um modo
de vida próprio que merecem ser compreendidos e respeitados. A convivência só
se constrói quando há reciprocidade. Quando quem chega procura compreender o
lugar onde vive e quando quem acolhe reconhece, com abertura, o valor da
diversidade.
O problema nunca esteve em “dar
direitos a mais”, ao contrário do que é afirmado nos discursos falaciosos dos
agentes políticos populistas e demagogos. A questão está em garantir condições
justas para que esses direitos possam ser exercidos e os deveres cumpridos. Não
se pode exigir integração sem oferecer oportunidades reais de inserção laboral,
de aprendizagem da língua ou de habitação digna. Da mesma forma, temos de
recusar a ideia de que está implícita, na solidariedade de quem acolhe, a possibilidade
de determinados grupos viverem fechados sobre si próprios, criando comunidades
paralelas e rejeitando a integração cultural, social ou legal do país de
acolhimento. O que, de resto, nunca esteve em causa na Madeira e em Portugal.
O equilíbrio é simples e
profundamente humano: quem chega deve ser acolhido com respeito, e quem é
acolhido deve retribuir com responsabilidade e reconhecimento. Só assim a
convivência se transforma em cidadania partilhada, e a diferença deixa de ser
ameaça.
Hoje, o fenómeno das migrações
volta a desafiar-nos. Segundo o Relatório de Migrações e Asilo 2024,
divulgado pela AIMA, Portugal acolhe 1,5 milhões de cidadãos estrangeiros. Na
Madeira, o crescimento é igualmente expressivo: de 5.697 estrangeiros em 2014
para quase 19 mil em 2024, vindos de mais de uma centena de países. São números
que traduzem uma mudança profunda, mas também uma oportunidade. E falhar não é
uma possibilidade. Porque devemos isso às nossas famílias, aos nossos valores e
ao nosso progresso.
O que está verdadeiramente em
causa não é apenas acolher quem chega, nem sermos “bonzinhos” com o outro. É
algo maior: construir comunidades coesas e justas, onde cada pessoa possa viver
com dignidade, trabalhar, aprender e sonhar. Sociedades onde a diversidade não
seja motivo de divisão, mas fonte de força e de progresso. Que saibamos,
juntos, cultivar essa convivência feita de respeito mútuo, segurança e
humanidade, para que a diferença seja um factor de unidade e não de separação.
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