Estudos de opinião em política: ferramentas de diagnóstico ou de criação de opinião? JM: 02/11/17

Li, aqui há um par de anos, umas declarações de um sociólogo que atribuía o falhanço das sondagens, nas eleições legislativas britânicas, ao receio das pessoas parecerem politicamente incorretas.
A tese defendia que as pessoas estão demasiado condicionadas pelo pensamento mainstream e temem que as suas opiniões contribuam para as catalogar como intolerantes, antiquadas, radicais, desajustadas, injustas, ingénuas, pouco inteligentes e/ou desinformadas. De acordo com a teoria, os cidadãos promovem a autocensura, intuindo que há coisas que não podem ser ditas. Posto isto, quando inquiridas pelas empresas de sondagens, as pessoas, com receio da estigmatização, dizem aquilo que consideram ser o que de si esperam e não aquilo que realmente pensam ou sentem.
Nesse artigo, chamava-se a atenção para a aparente “espiral do silêncio” (teoria de Elisabeth Noelle-Neumann), de acordo com a qual as pessoas deixam-se modificar pela perceção que têm sobre aquilo que maioria pensa. Com receio de algum isolamento social e temendo que a sua opinião seja minoritária, aparentemente deixámos de ser honestos nos estudos de opinião, manifestando aquilo que verdadeiramente pensamos aquando do voto (porquanto secreto, logo não sujeito ao preconceito).
Ora, não foi apenas nessas eleições que os estudos de opinião falharam redondamente: nas eleições na Grécia e mais recentemente em Portugal, nas legislativas mas também aquando das autárquicas, de novo, os estudos de opinião, nalguns casos, redundaram em absolutos fracassos. Não, não foram apenas alguns pontos percentuais. Nalguns casos, a diferença entre os estudos de opinião e os resultados apurados nas urnas ultrapassaram a dezena de pontos percentuais.
Isto faz-nos questionar: estarão os inquiridos a manifestar a opinião do establishment, a veicular aquilo que julgam ser a opinião da maioria?
Facto: cada vez mais, os estudos de opinião revelam intenções de voto que não se vêm refletir nas urnas. Incompetência ou amostras pouco representativas são outras das causas possíveis.
Creio que o falhanço dos estudos de opinião se deve a um misto destas razões. Mas não só. Acho também que alguns falhanços são propositados.
Mas o que é, de facto, uma sondagem? Diz-nos a bibliografia que uma sondagem tem “como finalidade medir opiniões, atitudes ou comportamentos, através de questionários, passados a um grupo que se pretende representativo da população que queremos estudar, com o objetivo de tirar conclusões que se aplicam (generalizam) a toda a população”.
Tenho para mim que os estudos de opinião, em política, não são bem isto.
Mais do que pretenderem revelar um padrão ou uma tendência ou propensão de voto, isto é permitir o diagnóstico da realidade, são, de forma cada vez mais acentuada, instrumentos de transformação da realidade, isto é, que pretendem formar uma determinada opinião. Na ausência de verdadeiros opinion makers, as sondagens parecem ser ferramentas a que alguma comunicação social recorre para criar opinião. Para criar tendência. Para influenciar: eleitores e potenciais candidatos. Enfim, para fazer emergir a opinião que interessa! Senão à sociedade ou sequer àqueles que as realizam, pelo menos aos que as encomendam e as publicam. Eis a razão pela qual não dou muito crédito às sondagens sobre política: revelam mais sobre os seus responsáveis do que sobre a realidade.
JM

https://www.jm-madeira.pt/opinioes/ver/644/Estudos_de_opiniao_em_politica_ferramentas_de_diagnostico_de_criacao_de_opiniaof

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