DE SÁ CARNEIRO OU A OPORTUNIDADE PARA REFLETIR SOBRE O QUE É O PSD Opinião | 27/12/2018 01:23



“O Personalismo é, ao mesmo tempo, filosofia, atitude perante a realidade e ação. Considera o ser humano como totalidade: todo ele corpo e todo ele espírito. Ainda mais, considera o homem na perspetiva da evolução: toda a história do universo desemboca no homem (...) Próprio ainda do Personalismo é afirmar a transcendência do homem. Ele não é apenas um elemento da natureza, um ser entre outros seres, mas é sujeito: dá nome às coisas e age sobre elas. Essa soberania que o homem exerce sobre as coisas tem, como resultado, a cultura em todos os seus aspetos. Grande é a contribuição do Personalismo, ainda hoje, no campo da liberdade, da comunicação, da compreensão e defesa da dignidade humana. Acentuo, sobretudo, a contribuição do Personalismo no campo da ética. Trata-se não apenas de uma ética de atos, mas de uma ética da pessoa. Para o Personalismo, não se trata apenas de colocar atos bons, mas sim de tornar a pessoa eticamente boa, ou seja, virtuosa, pois a boa árvore dá sempre bons frutos”.
Emmanuel Mounier

No passado dia 4 assinalou-se o 38.º aniversário do falecimento de Francisco Sá Carneiro, um dos fundadores do PSD.
Na ocasião, fiz um post de homenagem ao mítico líder, sendo que, a dado momento, houve alguém que aventou a possibilidade académica de Sá Carneiro, se fosse vivo, não se rever no partido que fundou.
Como é evidente, este é um exercício de especulação, mas pelo que conheço da sua biografia, (o que li, vi e ouvi sobre ele), não tenho qualquer dúvida acerca da sua lealdade para com o PSD.
É certo que hoje o partido, como todos os outros, está muito diferente. Aliás, a forma de se fazer política, hoje, é muito distinta da que se fazia em 1980. Hoje, quem diz a verdade nem sempre é favorecido pelo eleitorado. Exemplo disso são os casos que conhecemos de eleições ganhas em grande parte devido a fake news e em mentiras deliberadas ao eleitorado. E não se pense apenas nos exemplos estrangeiros: lembremo-nos da vitória de Sócrates sobre Manuela Ferreira Leite. Em 2009, a líder do PSD anunciava o que aí vinha e a maioria dos portugueses optou por acreditar nas palavras melífluas do líder do PS, que nos levou a uma quase bancarrota e a um pedido de assistência financeira.
Em 2015, voltámos a assistir um fenómeno semelhante: a maioria do eleitorado recusou o discurso prudente, sóbrio e rigoroso de Pedro Passos Coelho, preferindo a esperança prometida pela esquerda, ainda que assente numa ficção (prometeram-nos o desagravamento fiscal e hoje, passados quase 4 anos, atingimos a maior carga fiscal de sempre em Portugal: 40%).
A nível regional, para dar um único exemplo, tivemos um autarca candidato à reeleição que jurava a pés juntos que se candidatava para 4 anos e menos de 1 mês depois anunciava a sua saída.
A verdade é que tenho dúvidas que algumas das características políticas e pessoais de Sá Carneiro pudessem hoje fazer muito sucesso entre o eleitorado: a seriedade, a retidão e a frontalidade não são características hoje valorizadas. Melhor dizendo, que rendam muito eleitoralmente. O eleitorado aparentemente exige todas as máximas virtudes aos políticos, mas depois desconsidera, eleitoralmente, aqueles que mantêm um discurso de verdade, uma postura de frontalidade, uma ação política assente na integridade.
Sá Carneiro foi um homem de convicções fortes e fiel a elas. Foi um homem corajoso, que via muito para além do seu tempo e cujas propostas políticas ultrapassavam o imediatismo. Ousava enfrentar o status quo e não recuava naquilo que considerava essencial.
Ora, num mundo dominado pela efemeridade mediática, onde os tradicionais meios de comunicação pretendem competir com as redes sociais; num mundo onde a ação assente na reflexão é secundarizada ante a necessidade da cacha para o noticiário das 8; num mundo onde o politicamente correto assume contornos religiosos e onde a frontalidade é vista como pecado capital, de facto, não me parece que Sá Carneiro tivesse muito sucesso.
Do que estou certo é de que não há no espaço político português um partido que congregue as doutrinas ideológicas que fundaram a social-democracia portuguesa, pela mão de Sá Carneiro (e outros). Não há, no espetro político, partido que defenda a centralidade da Pessoa na moralidade e na ação política e sua absoluta inviolabilidade, liberdade, criatividade e responsabilidade. A Pessoa vista como o absolutamente irrepetível, que não pode, sob situação alguma, ser objetivável. A Pessoa como o imperativo categórico da moral kantiana, o fim último de toda a ação humana. Esta ideologia, perfilhada por Sá Caneiro, apenas encontra eco na doutrina do PSD.
Não há outro partido em Portugal que assente a sua norma programática nos valores éticos do Personalismo e que os combine com ação política da social-democracia.
Por isso é que estou certo de que Sá Carneiro continuaria a ser firmemente deste partido. Independentemente de alterações ao nível de práxis política, fruto de lideranças que, pela ordem própria das coisas, são sempre pontuais e circunstanciais.
Porque catavento Sá Carneiro nunca foi e porque a sua verticalidade e as suas convicções o impediriam de tergiversar pelo espectro político nacional.

https://www.jm-madeira.pt/opinioes/ver/2006/De_Sa_Carneiro_ou_a_oportunidade_para_refletir_sobre_o_que_e_o_PSD

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