TUDO À BORLA PARA TODOS OU UMA JUSTIÇA SOCIAL VICIADA Opinião | 24/01/2019


“A fim de tratar as pessoas igualitariamente, a sociedade deve dar atenção àqueles com menos dotes inatos e aos oriundos de posições sociais menos favoráveis. A ideia é de reparar o desvio das contingências na direção da igualdade”.
“A distribuição natural não é justa nem injusta; nem é injusto que as pessoas nasçam numa posição particular da sociedade. Estes são, simplesmente, fatos naturais. O que é justo e injusto é o modo como as instituições lidam com esses fatos.”
John Rawls, Uma teoria da justiça
​Nas sociedades desenvolvidas, com sistemas de segurança social relativamente eficazes, assentes no sistema previdencial de natureza contributiva, a regra para a concessão de apoios sociais é a da progressividade (semelhante à da tributação).
Quer isto dizer que o Estado apoia mais as famílias com menores rendimentos. Esta regra garante a redistribuição da riqueza, ajudando os mais pobres a terem acesso e bens e serviços que de outra forma estariam fora do seu alcance.
Assim, com esta solidariedade coletiva, contribui-se para a justiça social e esbatem-se os desequilíbrios decorrentes dos rendimentos individuais, favorecendo a igualdade de oportunidades.
É o princípio que norteia a Ação Social, para garantir que os mais pobres são mais apoiados. Também é assim para a Educação, onde o Estado reconhece que não tem condições para garantir a total gratuitidade do ensino e que por isso criou uma Ação Social Escolar para apoiar os alunos provenientes de famílias com menores rendimentos.
Isto tem sido sempre assim e aceite por todos os partidos políticos portugueses.
Com a desertificação de alguns concelhos e com a quebra da natalidade, começaram a equacionar-se medidas políticas alternativas e uma delas passou pela concessão universal de apoios, por parte de algumas câmaras municipais, para todos os agregados familiares, independentemente dos seus rendimentos, de forma a fixá-los nesses territórios. O objetivo não era, assim, garantir o acesso universal à educação nem o sucesso educativo, mas cativar e fixar população. Esta também foi uma política transversal a todos os partidos, como medida para mitigar a diminuição da população nos concelhos rurais e do interior e esbater as assimetrias existentes.
Ora, essencialmente a partir da crise de 2008, começou a surgir a teoria de que os apoios sociais teriam de ser concedidos a todos indiscriminadamente, alegadamente porque a crise se fez sentir em todos os agregados familiares e porque a classe média/ média alta teria sido aquela mais afetada, não podendo ser afastada desses apoios.
A primeira vez que ouvi esta tese foi pela boa de autarcas socialistas e atingiu o expoente máximo na Câmara Municipal do Funchal, pela mão de Paulo Cafôfo, que concedeu maiores apoios pecuniários a famílias com mais recursos, em detrimento dos mais pobres. Para além da injustiça óbvia, há uma espécie de dupla penalização, uma vez que os mais pobres estarão a custear os mais ricos através dos seus impostos (que servem para financiar estas medidas).
Ora, abolição das propinas para o ensino superior, defendida numa perspetiva de médio prazo pelo ministro da Ciência e Ensino Superior, Manuel Heitor, enferma, uma vez mais deste vício: beneficia quem tem mais recursos e penaliza os mais pobres. Aliás, recentemente vários ex-ministros da Educação, alguns deles socialistas, como Marçal Grilo, mostraram-se contra a medida.
E é contestada por boas razões: não havendo condições para a total gratuitidade do ensino superior e havendo subfinanciamento da investigação, faz sentido que as famílias com mais recursos estejam isentas de participar nas despesas com o ensino? Ainda para mais quando a formação superior, como forma de valorização pessoal, pode representar o aumento dos rendimentos dos formados? Faz sentido isentar propinas quando essas representam apenas uma ínfima parte dos custos com o ensino superior, razão pela qual muitos alunos sem recursos se vêm privados do seu acesso? Não faria mais sentido isentar apenas aqueles que realmente necessitam e reforçar a ação social, aumentando as bolsas de estudo para os mais pobres e ampliando o parque de residências universitárias?
Sinceramente, não percebo estas políticas, alegadamente socialistas, igualitárias, que tratam por igual situações que não são iguais; que invertem princípios de justiça social; que prejudicam os mais necessitados, obrigando-os a financiar os que têm mais recursos. Mas percebo ainda menos que isto não seja claro para todos e que esta doutrina comece a fazer escola em todos os partidos políticos portugueses, sejam de esquerda ou de direita.
Mal vai um país quando pede aos mais pobres que financiem a vida dos mais ricos. Mas, vai ainda pior quando políticas injustas como essas são aplaudidas ao ponto de serem grotescamente aproveitadas como medidas eleitoralistas.

https://www.jm-madeira.pt/opinioes/ver/2098/Tudo_a_borla_para_todos__ou_uma_justica_social_viciada

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