XENOFOBIA EM ÓRGÃOS DE REPRESENTAÇÃO Opinião | 07/12/2019 07:00


A idiossincrasia do migrante internacional é a de ser um estrangeiro numa terra estranha, onde inevitavelmente perde direitos, nomeadamente políticos, de participação e de cidadania. Grosso modo, um migrante é um excluído, não apenas da identidade coletiva mas da própria sociedade.
Assisti a esta definição por parte de Rui Pena Pires, num seminário promovido pelo Instituto de Defesa Nacional (IDN) a que recentemente assisti, e não posso estar mais de acordo com ela.
De facto, um migrante internacional inicialmente é sempre um excluído. É um cidadão menor, ao qual nem o Estado nem a sociedade reconhecem a plenitude dos direitos inalienáveis ou as liberdades e garantias fundamentais. Por outro lado, é também um excluído porque não partilha da mesma língua (na maior parte dos casos), da cultura, dos valores, das crenças, das tradições, enfim, da identidade coletiva da sociedade de acolhimento. O desafio para quem recebe é, então, transformar esse acolhimento em correta integração, isto é, converter o migrante em cidadão pleno, possuidor de todos os direitos. E para isso é fundamental desenvolver políticas de integração e de não discriminação, políticas de inclusão identitária. E isso não se consegue se a sociedade insistir em focar-se na dissuasão da imigração. Se a sociedade se mobiliza para dissuadir o migrante, não é expectável que esse mesmo migrante se identifique com essa forma de pensar.
Do mesmo modo, não estaremos a fazer grande trabalho de integração dos migrantes que temos recebido se não lhes concedermos todos os seus inalienáveis direitos. Aqui, o poder político tem uma especial responsabilidade: não apenas no desenvolvimento de políticas adequadas, mas na ação, uma vez que está obrigado a proceder em conformidade, não podendo permitir qualquer tipo de atitude discriminatória ou que dificulte o processo de inclusão identitária.
Ora, foi exatamente isso que fez o deputado Beto Mendes, do PS-Madeira, ao acusar o deputado lusodescendente Carlos Fernandes de não saber ler ou falar português. O deputado socialista discriminou o seu colega em razão do sotaque castelhano. Mas pior fez o PS-Madeira, que não condenou a invectiva do seu deputado. Aliás, fez exatamente o contrário, ao ensaiar uma pífia tentativa de justificação daquilo que não é justificável. E também mal esteve o exército de opinion makers socialistas que proliferam nas redes sociais, que escreveram todo o tipo de disparates e insinuações a esse respeito, nomeadamente de que o deputado do PSD reforçaria o seu sotaque para identificação com a comunidade lusovenezuelana a residir na Madeira. Ora, isso é um disparate que apenas vem indiciar a xenofobia encapotada que mina algumas estruturas sociais, nomeadamente aquelas que deveriam estar imunes. Haver sotaque castelhano na Assembleia Legislativa Regional enriquece a atividade política, pois permite que sejam os próprios lusovenezuelanos a defender as medidas de integração. Ninguém como o migrante conhece as dificuldades de integração. Foi para isso que o PSD-M criou o Núcleo de Emigrantes ao qual vai dar, em breve, dignidade orgânica.
Mas acrescento ainda que ali, na Assembleia Legislativa Regional, não deveria haver apenas sotaque castelhano: deveria haver também sotaque anglo-saxónico e brasileiro, com representantes das principais comunidades madeirenses espalhadas por esta imensa diáspora. Como escreveu o Agualusa, o problema da Língua Portuguesa não é estar a enegrecer: o problema é não ter enegrecido suficientemente. Porque mestiçar mais a nossa Assembleia seria fazer dela um órgão mais representativo da diversidade que constitui o povo madeirense e valorizaria essa imensa riqueza. Aqui, nas ilhas, somos 250 mil: no mundo, somos mais de 1 milhão.
Não, não podemos compactuar com qualquer tipo de atitude xenófoba por parte dos nossos representantes políticos. Qualquer atitude nesse âmbito deve ser rechaçada e denunciada por qualquer democrata que se preze. E os seus autores devem ser colocados de fora da ação política. Porque prestam um péssimo serviço ao partido que servem, mas essencialmente não dignificam a Madeira e os madeirenses que representam!

https://www.jm-madeira.pt/opinioes/ver/3201/Xenofobia_em_orgaos_de_representacao

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