O ELOGIO DA TRAIÇÃO Opinião | 06/08/2020 08:29

 


"Sabe, no fundo eu sou um sentimental.

Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo (além da sífilis, é claro)
Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar
Meu coração fecha os olhos e sinceramente chora..."
Chico Buarque


Em 1973, o cantautor brasileiro Chico Buarque compôs o “Fado Tropical” para a peça “Calabar, o elogio da traição”. A peça conta a história de Domingos Fernandes Calabar, um soldado mulato do exército português que, em 1624, procurava expulsar os holandeses do Nordeste brasileiro.

Na verdade, a comédia musical é mais uma sátira à ditadura militar que se vivia no Brasil, bem como ao salazarisno que agonizava em Portugal e, de acordo com investigadores,  propõe uma reflexão sobre as noções de fidelidade, de patriotismo e de nacionalismo.

Pego nos versos do Chico porque desde que os ouvi pela primeira vez que fiquei convencido que sempre foi assim o Império Português: dominámos outros povos também pela força, pela violência, pela subjugação e pela tirania mas, no fundo, a nossa “dose de lirismo” sempre nos  obrigou à compaixão. Talvez tenha sido por isso que tenhamos sido pioneiros na abolição da escravatura e mesmo com um grande império nunca tenhamos sido verdadeiramente imperiais.

Nós somos também um produto do nosso tempo, da nossa cultura, da nossa latitude. Como é óbvio, quando fomos grandes, fomo-lo dentro do contexto histórico e cultural. Fomos um império de descoberta, comércio e conhecimento, mas também de expansão, dominação e escravatura, porque era isso que as grandes nações e os seus povos ambicionavam então. Era isso que significava ser grande, ser poderoso, ter sucesso enquanto nação.

No entanto, creio que nunca deixámos de ser um povo verdadeiramente tolerante, pacífico, e complacente. Comercializávamos escravos, e essa era uma importante fonte de receita nacional, mas quando o paradigma se alterou fomos dos primeiros a aceitar essa nova realidade mais “humanista”. Talvez porque nunca tenhámos gostado verdadeiramente de “torturar, esganar, trucidar”.

Sou daqueles que não se revê na ideia de um Portugal racista. Por tudo o que escrevi e porque ser racista é uma característica individual que não pode generalizada a povos. Há, com certeza, portugueses racistas, mas essa não é a idiossincrasia do povo português.

Não alinho, portanto, por esse diapasão, por onde segue a esquerda e alguns anarquistas, de que temos de expurgar a nação do racismo. O multiculturalismo, porquanto fundador da nação, corre-nos nas veias. Devemos combater todo o tipo de discriminação e celebrar a multiculturalidade, mas temos de evitar sermos nós próprios fonte de discriminação. E é isso que se vê na maioria destes movimentos alegadamente anti-racistas. Muitas das associações e dos seus dirigentes promovem e defendem, sem qualquer tipo de escrúpulos, a discriminação quando atribuem a motivações racistas qualquer crime praticado por um caucasiano contra uma pessoa de uma minoria. Promovem a discriminaçáo, mas também o ódio racial, a segregação, a iniquidade. Por isso, não tenho em grande conta os ativistas portugueses neste domínio. Creio mesmo que fazem mais mal do que bem. E por isso, não fazem qualquer falta ao espaço público e aos movimentos de verdadeira cidadania. Esses movem-se por outros valores que as joacines, os mamadou, as câncios deste país nunca compreenderão!


https://www.jm-madeira.pt/opinioes/ver/4053/O_elogio_da_traicao

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