PRESIDENCIAIS E TRAMBOLHOS Opinião | 03/10/2020 08:00


Ana Gomes convidou Paulo Pedroso para a estrutura organizativa da sua candidatura. À partida, tudo normal porque o socialista é um homem livre e não tem qualquer dos seus direitos coartados.

Todavia, a passagem pelo mundo deixa lastro e a história individual de cada um persegue-nos. Paulo Pedroso pode ser um político de excelência (o que não me parece), pode ser um homem de princípios e valores elevados (o que desconheço), pode ser um mestre em estratégia política (o que seria uma surpresa). Mas Paulo Pedroso tem também no seu currículo a acusação de um crime hediondo. E isso é o menos, porque foi considerado inocente pela Justiça e o Estado Português até foi condenado, pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, a pagar-lhe uma indemnização. O mais grave, no seu passado conhecido, foi a proteção de que foi alvo por parte de todo o sistema político português e muito concretamente pelo PS, que não mediu esforços para proteger o seu então deputado. Todos nos lembramos das escutas que revelam de forma clara e inequívoca o que António Costa, João Pedroso e Ferro Rodrigues fizeram para proteger Paulo Pedroso do processo Casa Pia, tentando envolver o então Procurador-Geral da República e mesmo o Presidente da República, Jorge Sampaio, na defesa do socialista. Também nos lembramos como Ferro Rodrigues, que na altura se estava a “c$%#& para o segredo de justiça” e António Costa tentaram passar a tese, de que se tratava de uma cabala, para diversas personalidades com influência, como Morais Sarmento, Pedro Santana Lopes e mesmo Marcelo Rebelo de Sousa. Foi um dos episódios mais degradantes da história da democracia portuguesa e bem revelador da promiscuidade entre o poder político e a Justiça. E, nesta questão, o lastro que Paulo Pedroso deixa não é positivo ou, sequer, inócuo.

Não deixa de ser curioso que a candidata que se reclama campeã da transparência e da integridade chame para junto de si justamente alguém que esteve no epicentro de uma decadente situação em que um partido tentou interferir na Justiça. É curioso, mas não é surpreendente porque Ana Gomes há muitos anos que nos mostra que coerência não é uma qualidade que aprecie. Veja-se a sua sanha contra a Zona Franca da Madeira.

Num país de brandos costumes, com partidos arregimentados e uma comunicação social dócil para com os diversos poderes, isto não seria nada de grave. A questão é que atualmente temos forças políticas populistas e demagógicas que não irão permitir que o eleitorado se esqueça do lastro de Paulo Pedroso. Neste aspeto, Ana Gomes não poderia ter cometido erro mais grosseiro: um político que foi suspeito de pedofilia e em cujo processo houve tentativa de interferência política é um filão que os populistas deste mundo se agarrarão com unhas e dentes. Só com esta escolha, Ana Gomes garantiu mais 25% de votos para André Ventura.

O líder do Chega é um adversário político ao lado do qual não admito caminhar, pois muitas das posições que o seu partido adota são radicalmente contra aquilo em que eu acredito. Mesmo sendo André Ventura e o Chega produtos que nascem como reação à esquerda radical, constituída por partidos estalinistas e trotskistas que nos querem impor unanimismo de pensamento, não são meus parceiros. É a Némesis da direita radical à esquerda radical, que há décadas domina uma das franjas ideológicas do espectro político português. Mas ideologicamente está tão distante quanto BE, PCP ou personalidades como Ana Gomes.

Num tempo em que temos um populista do calibre de André Ventura na esfera política portuguesa, mandar avançar Paulo Pedroso é a melhor oferta que a demagogia populista poderia ter. Ana Gomes, tal como toda a esquerda, uma vez mais a empoderar a direita radical!

Sabemos que o eleitor é essencialmente motivado pela emoção. Contudo, aos agentes políticos exige-se que tenham capacidade para tomar decisões com base na razão. Creio que a decisão de Ana Gomes foi de carácter estritamente emotivo. Todavia, com essa decisão criou um trambolho que irá inexoravelmente alimentar outro trambolho. Uma trapalhada monumental. Não que me incomode que ela perca votos. Essa é uma boa notícia todos os dias. Incomoda-me é que com as suas trapalhadas, Ventura fique a ganhar. E isso é de lastimar!

https://www.jm-madeira.pt/opinioes/ver/4264/Presidenciais_e_trambolhos

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