Fake news, fake profiles e outras tretas - 05-09-2019
Há dias, um amigo desafiava-nos a criar um polígrafo exclusivo para a
Madeira. Falávamos nisto, atendendo à quantidade de notícias falsas que por aí
circulam. E desengane-se se acha que são exclusivamente provenientes de
lixeiras tóxicas do Facebook, ou de asquerosos blogues anónimos, ou de perfis
falsos de gente cuja coluna vertebral é muito gelatinosa. Não. Infelizmente, as
“fake news” aparecem diariamente plantadas em órgãos de comunicação social de
referência. Aliás, por cá, a este respeito, já inovámos: fomos ao cúmulo de ver
publicada, num órgão de comunicação social, uma notícia a dar conta do
aparecimento de um blogue anónimo de intriga e maldizer, composto por gente que
se esconde cobardemente atrás do anonimato, mas que se arroga no direito de dar
preleções sobre ética e moral. E isto, num jornal diário!
Mas, para além deste caso, manifestamente extremado, a verdade é que
diariamente vemos plantadas notícias falsas na imprensa regional. Esta questão
deveria preocupar todos os que trabalham na comunicação social, porque é uma
das razões pelas quais os cidadãos perdem confiança no 4º Poder. E talvez
não haja maior tragédia para a democracia do que a ausência de uma comunicação
social acreditada e reconhecida. Nestes casos, há responsáveis claros,
que são aqueles jornalistas que não cumprem com as regras básicas do jornalismo
ou da deontologia jornalística.
Para que a comunicação social possa fazer o escrutínio da vida pública, conforme
desejam todos os democratas, é fundamental que o jornalista não se deixe
instrumentalizar ou pressionar, seja por entidades externas, seja pelas
hierarquias, seja mesmo por aquilo em que acredita ou pelo seu posicionamento ideológico.
Felizmente, também conheço aqui na Madeira jornalistas destes. Mas,
quando vejo notícias sobre um candidato às eleições regionais que promete mais
300 milhões de euros, ou um ferry o ano todo, ou a aquisição de um hospital
privado, ou a contratação de 100 médicos de família, sem que o jornalista faça
o contraditório e pergunte como será isso feito, sou obrigado a colocar em
causa o profissionalismo do mediador entre a fonte e o leitor. Então, “vai-se”
comprar um hospital privado, e não perguntamos qual? Com que fundos? Há
enquadramento orçamental? Ou então, quando se promete que connosco António
Costa vai finalmente cumprir com aquilo que são as obrigações da República,
nomeadamente na aplicação do princípio da continuidade territorial pela via
marítima, não se contrapõe com declarações anteriores? Engole-se mesmo sem
mastigar? Ou ainda, quando se apresenta ideias para a Educação que já estão
consagradas legalmente, não se faz o fact check? Ou quando se promete, o que já
tantas vezes se prometeu, não se confirma no arquivo? Ou quando se vai muito
beato numa procissão, não se confere se essa atitude se adequa ao declarado
sobre religiões e às crenças? Ou quando se diz que vamos defender um
instrumento de desenvolvimento económico como o MAR, não se atesta se isto está
de acordo com a prática dos intérpretes dessa política? E não perguntamos que
efeito tiveram alegados murros na mesa? Das negociações que foram feitas? Das
promessas que se trouxe dos amigos de Lisboa?
Ora, quando o jornalista aceita tudo o que a fonte lhe envia sem
questionar, como é evidente é o jornalista que está a colocar em perigo a sua
profissão e a sustentabilidade da atividade. Porque reforça a perceção - na
maior parte das vezes injusta - que os cidadãos têm acerca da comunicação
social. Que é irrelevante, que é promíscua, que é permeável, que obedece a uma
agenda, que não é credível.
Por isso, creio que começa mesmo a fazer falta um polígrafo na Madeira.
Porque infelizmente parece que às vezes a comunicação social falha com aquela
que é a sua mais nobre missão: escrutinar publicamente o exercício dos demais
poderes!
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