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A mostrar mensagens de agosto, 2012

Amontoado de desilusões

A desilusão é um sentimento poderoso. Por vezes, parece-me, não somos mais do que um acumular de desilusões. E, pela vida fora, as desilusões parecem ocupar cada vez mais espaço. Será assim, como o tempo: um dia é demasiado longo quando apenas vivemos 8. Contudo, parece tão pequeno quando já vivemos 8000! Tem a ver com a dimensão. O caminho parece mais curto, quando percorremos já a segunda metade… E de modo similar, creio eu, acontece com as desilusões. Não são importantes quando apenas conhecemos 10 – então, somos tão mais do que isso! Mas, à medida que as vamos colecionando e porque as acumulamos demais – a nossa maior riqueza, no sentido em que é aquilo que mais possuímos -, atinge-se um ponto em que parece nada mais existir para além dela. Talvez seja por isso que os velhos enlouquecem ou morrem. Porque aos velhos desiludidos, nada mais resta do que a demência ou a morte. Ao longo da vida, é-se chegado a um ponto em que a nossa capacidade para colecionar desilusões esgota-s

A marca indelével de Deus

Dizem-nos ter sigma 6 de certeza de que foi descoberta a partícula que confere massa à matéria. A partícula primeira, aquela que transforma a energia pura em densidade. A partícula de Deus. Mas Deus não Tem partículas, não É partícula, não Se reduz ao pormenor. Não pode, portanto, ser a partícula de Deus, aquela que agora descobriram. Até porque Deus revela-se em todo o Universo. É tudo! Apenas uma visão holística poderá abarcar uma faúla de Deus. Por todo o lado vemos a sua assinatura sem que, contudo, consigamos vislumbrar-lhe a mão. Deus esconde-a. Quanto a mim, convivo pacificamente com toda a euforia que cerca a discussão sobre a existência Dele. Se certeza necessitasse, bastar-me-ia olhar para ti, para crer. Porque és o Seu selo, a Sua marca. Quando te sinto cravada na minha carne, quando te experiencio navegar no meu sangue, tenho a certeza de que não é num qualquer bosão que Deus regista a sua assinatura. É em ti e naquilo que nos une: o amor.

A linguagem dos anjos

Hoje vou falar-te de Deus. Conforme te aperceberás ao longo da tua vida, Deus é mal-amado, no mundo contemporâneo. Não há tempo, nem espaço, para amar Deus. Na vertigem a que chamamos mundo, Deus é persona non grata. Fica com esta passagem dos Coríntios. Fala de como se deve amar. “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria. O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; Não folga c

O meu amor envolve-te!

Será o indivíduo apenas um amontoado de moléculas? Como se mantêm, elas, coladas? O que fazem para nos constituírem como seres de vida, como organismos? A gravidade, dizem-nos os físicos. A força mais forte do universo: a atração. A força irresistível que a partícula mais forte exerce sobre a mais fraca. Atração e força irresistível, como sinónimos. É isto que se passa connosco, meu amor? Estaremos a ser vítimas da força mais irresistível do universo, minha filha? Seremos vítimas dessa lei da física? E assim sendo, porque não se misturam as nossas moléculas? Qual é a diferença entre as regras da lei da atração da física e os preceitos da atração física? Em quê diferem elas? Em que se assemelham? São apenas uma e mesma lei? São questões como estas que me coloco quando tenho consciência de que sou irresistivelmente atraído para ti. Quando todos os átomos do meu corpo anseiam por se juntarem aos teus, fundindo-se numa única explosão que nos torne um só. Não, não quero roubar-te a i

Levo comigo a promessa de um beijo: se não me dás, roubo-to!

Percorro os trilhos antigos, sentindo o restolhar de folhas secas ante as minhas passadas. Os coelhos, os esquilos e os restantes habitantes deste bosque fogem, assustados. A atmosfera foi invadida por sons familiares: o vento que desliza por entre as folhas; os galhos que se quebram; o murmúrio das árvores centenárias; o som das pisadas que se afundam na terra ainda molhada; a respiração ofegante. O som ritmado, lento e constante de quem está aqui à descoberta, sem pretender desbravar caminho, mas insistindo em avançar perante a densidade da floresta. Vejo nesgas da luz doirada do sol que trespassa a chama verde de cheiro acobreado que me envolve. Aqui, há um outro mundo para além do mundo, mais silencioso, mais íntimo, mais secreto. Aqui a vida tem um ritmo diferente, o pulsar do coração é mais lento, o sangue não lateja tanto. E é aqui que pressinto com maior intensidade o anjo que me persegue. Não se recua ante a promessa de um beijo. E se hoje te sinto como a realidade que és

Sonhos verdes

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Canterbury, 25 de julho de 2012 Há verde por todo o lado. Rodeia-nos, envolve-nos e parece querer-nos engolir. O verde brota dos bosques, emerge dos relvados, desprende-se das sombras em que está amarrado e jorra dos nossos olhos. Há verde no campo, verde nos edifícios, até as pessoas parecem verdes. O verde é a cor dominante. É o líder. Prende-se a nós como se de uma alga verde gigante se tratasse, incendiando-nos a pele. Insidiosamente vai-nos cobrindo, até inundar-nos o olhar. Enche-se-nos as papilas olfativas. A boca está cheia do verde gramado da clorofila. Choramos verde. Rimos verde. Euforicamente celebramos o verde. Vai-nos possuindo, o verde, até não restar mais nada. (Agora que penso, não sei se queria dizer clorofila ou claro, filha.) Neste mundo verde não há lugar para a profundidade azul do mar. Não se ouve o restolhar escuro dos seixos da praia (poderemos ouvir as cores?). Não há arco-íris, não há o dourado do sol – insinua-se, quando o sentimos beijar-nos a fa

O GPS de Deus

Canterbury, 27 de julho de 2012 Um espectro de luz paira no ar, sobre o bosque de Park Wood. Ilumina a noite que chora orvalho e marca a sua posição junto à janela do meu quarto, qual farol que me guia. É uma centelha do fogo divino, estou certo, que fugiu da sagrada chama para me vir orientar, não vá perder-me nos trilhos arcebispais de Kent. Porque também é possível perdermo-nos nos contos de Canterbury. Sorri-me, essa aparição e julgo ouvir: amo! Amo, ou o mapa que me guia de regresso a casa. O GPS de Deus. Nesta cidade em que por Deus se perde a cabeça. Sou um peregrino, mas não é para aqui que me dirijo. Aqui é apenas o local de partida, seguindo essa aurora que irrompe as nuvens, nesta noite quente e molhada. A minha peregrinação tem como destino locais mais familiares. Muito. E, então, desfaz-se qualquer dúvida para onde tenho de ir. Para onde sou impelido a ir. Porque é a tua voz que oiço a percorrer o céu chuvoso. A minha pequena chama. Obrigado, meu amor, por não te esquecere

Na Grécia, como cá. Agora, como daqui a 20 anos.

Canterbury, 26 de julho de 2012 Korina, Augoustina e Lia são três crianças gregas perdidas nos bosques de Canterbury. As esperanças dardejam dos seus olhos: um futuro promissor; um trabalho. Desejam apenas uma oportunidade para gritar que não são vagabundas, que não são parasitas, que não devem ser responsabilizadas pelos erros dos outros, daqueles que determinam as suas vidas, que as destruíram sem que, sequer, algum dia tenham sido consultadas. Têm 22 anos e acabam de sair da universidade. São miúdas com desejos, que aspiram à vida que lhes foi prometida por gerações anteriores, que lhes inspiraram a ilusão vã de que poderiam viver e ser felizes na sua Grécia. Não compreendem porque têm de ser responsabilizadas pelos atos de governos corruptos, que não se limitaram a descuidar daquela que deveria ser a sua maior missão – a proteção do povo helénico -, mas que, pelo contrário, levaram à catástrofe da sua pátria. Diziam-me as meninas gregas que os ventos que sopravam aquando das s

Eternidade

Gostaria de viver dentro nos teus olhos. Deitar-me sobre a tua iris e repousar lá para sempre. Deixar-me rodear por tudo o que vês. Envolver-me nas tuas lágrimas e garantir a minha própria sombra no teu olhar. A lembrar-te que existo e que estou por ti. Uma mancha negra, projetada na linha de luz que de ti emana. Verdadeira. Um fantasma do qual não podes fugir. Do qual não queres fugir. O espectro de uma outra vida, que em ti mesma vive. Só assim estaria certo de não ser apenas uma lembrança, uma ténue memória. Eternizar-me-ia em ti! Fica bem, querida!