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A mostrar mensagens de outubro, 2012

Ama porque é lento

Amo uma ideia. Amo um objeto. Amo uma pessoa. Amo duas pessoas. Amo dez pessoas. Amo um livro. Amo uma música. Amo um autor. Minto, amo dois, três, cinco autores. Amo a Clarice, o Philip, o Albert, o Fiodor, o Umberto. Amo os russos e os americanos. Amo os existencialistas e os niilistas. Amo Deus. Não amo a ausência. E o tempo para amar não se compra. Não se compara. Amo a alma e o corpo (mas se conheço o corpo, como posso conhecer a alma?). Não se pode amar sem corpo. Sem corpos. Para haver amor, é sempre necessário haver mais do que eu. E eu sou apenas uma ideia de mim próprio. Tu, quem és? O que és? O Homem-lento não tem razão: não se pode amar por dois. Um nunca ama tanto. Eu, certamente, não amo. E não sou um homem rápido. Porque amar é cuidar. E cuida-se sendo-se cuidado e sendo-se cuidadoso. Uma relação amorosa é apenas real quando os envolvidos olham da mesma forma para o que lhes está entre as mãos. Porque duas mãos não são suficientes para guardar o segredo. São n

Derelictionis.

A obra é sempre mais abominável aos olhos do criador, porque reconhece em si próprio aquilo que mais o assusta. A resposta à criatura é sempre terrível. E nunca sabe porque foi criada. Se nos encontrássemos junto de Deus e perguntássemos porque é que nos criou e a resposta fosse apenas: porque posso! Porque consegui! Porque foi possível! Haverá resposta mais radicalmente aterradora para a criatura? Nós, que esperávamos obter como resposta a eternidade do amor divino. Que esperávamos ser seu objeto, que julgávamos ser a sua construção mais completa, a sua ação mais perfeita, a obra concluída. Como pode a criatura conviver com a ideia de que afinal é apenas um protótipo, parte de um processo por concluir? Que consequências traria, ao homem, essa indiferença do criador ante a existência da criatura? No peito do homem bate a revolta e toda a sua alma grita a sublevação. Clama o amor do deus, a promessa que lhe foi feita. E porque o não pode ter, matou o criador. Aconteceu u

Silêncio e outros delírios pesudoliterários

Depois do encantamento, vem o silêncio. Dizem que o silêncio domina o universo. E por isso, é irmão da solidão. Porque a vastidão infinita é solitária e silenciosa. Estão um para o outro como siameses, interdependentes. São vácuo cósmico. O nada, potência de tudo. E precisam do homem para existir. Porque é da carne humana que se alimentam. Sugam o sangue, que é combustível para a expansão do universo. Porque me desiludo? Creio que sabes. Porque no céu há estrelas e há matéria negra. E se não sabes, és ainda outra. PS - Todas as minhas palavras são tuas. E por isso as escrevo aqui.

Pequenos delírios ou como de um blog se pode fazer palimpsesto (ou no que dá reler Gogol)

Às vezes olhamos para o papel e vemos emergir palavras que nele foram escritas por outros dedos, por outras mãos, com outra tinta. O sangue de dragão volta a tingir de vermelho a alvura do que se nos depara pela frente. Uma espécie de estenografia deixada por almas mortas (teria razão, Gogol? Podem as almas morrer?). Um texto ditado (ou deitado?) em línguas que desconhecemos. Vão-se formando as palavras, uma a uma, pausadamente. Inicialmente, sem ordem aparente, nem grande nexo. Mas, à medida que se vão constituindo grupos, uma lógica misteriosa começa a ganhar forma. Percebemos a mensagem que nos foi deixada por esses fantasmas passados e eternizada com tintas invisíveis. Espectro espalhado, derramado, para ser descoberto por quem está disponível para emprestar o seu sangue; que dê vida aos dedos descarnados. À nossa frente, como se iluminados pela luz trémula de uma lamparina, emergem as perguntas: - És o meu maior caso perdido? Ou a noiva antiga é apenas memória do dia que nasc

Paradoxo do voluntariado

Sempre tive um sentimento ambivalente e até paradoxal relativamente ao voluntariado institucional. Movimentos como o Vamos limpar Portugal ou outros similares têm o condão de me causar desconforto. Porque se admiro a generosidade daqueles que estão disponíveis para participar nestes projetos, também sinto que à sociedade cabe exigir às instituições públicas (e privadas) que cumpram as suas obrigações. Quanto mais limparmos ribeiras e bosques, menos o farão as instituições competentes. Devemos exigir, parece-me, às autoridades fiscalizadoras, que o façam de forma exemplar e que punam implacavelmente os infratores; ao poder legislativo, devemos exigir a produção de leis dissuasoras; às instituições responsáveis pela higiene, que procedam à limpeza desses locais. Este é o papel da sociedade e dos cidadãos. Porque pagamos os nossos impostos para que assim seja. Não nos compete ir limpar espaços de outrem (públicos ou privados). Diariamente observamos o quão contraproducente pode ser o v

Não observo os teus sonhos

É possível a observação de sonhos? Às vezes parece-me que os meus sonhos são profanados por olhos indiscretos. Uma espécie de big brother dos sonhos que nos espiolha e vigia aquilo que vamos sonhando. Terei algo a recear? É provável que não, mas nunca é agradável imaginar que esta nossa morada seja invadida por um qualquer olhar estranho e estrangeiro a este lugar que achamos ser nosso. A profanação do meu lugar sagrado, que sou eu. Uma invasão despudorada e até obscena da minha alma. Vem isto a propósito de ter olhado para ti esta noite, enquanto sonhavas. A minha primeira reação foi desejar estar no teu sonho, fazer parte dele. Ou, pelo menos, poder adivinhar aquilo que sonhavas, poder observá-lo, para te conhecer um pouco mais. Para apenas estar lá, contigo, nesse mundo para onde foste e não me levaste. Creio que até senti uma pontinha de ciúme. Porque quando se ama da forma que eu te amo, quer-se integralmente, a todos os momentos, em todos os lugares. Mas rapidamente ganhei co

Dois anos - Parabéns, meu amor!

Há dois anos que nascemos: tu nasceste, filha; eu nasci pai. Contigo, trouxeste os dois melhores anos da minha vida. A felicidade não existe sem ti e por isso estou-te grato. Obrigado, minha filha por me permitires ser feliz. Desde que nasceste que tens proporcionado emoções que eu não sabia existirem. Sim, é verdade que não se sabe o que é ser pai, até se ser. Digam o que disserem. E desde esse momento inicial, em que te ouvi o primeiro choro e que te vislumbrei o primeiro olhar atento ao mundo, que te estou devedor. Mas, se já não fosse tanto, em todos estes dias que temos partilhado mostras como a vida contigo pode ainda ser melhor. A forma carinhosa como olhas para quem amas; os teus abraços; os teus beijos ternos (acompanhados por dulcíssimos “quida amor”); as tuas gargalhadas - por Deus, as tuas gargalhadas (sempre que as oiço, só me apetece chorar) são momentos únicos que partilhas e que me fazem viver um pouco mais. O teu sorriso traquina quando, a correr, passas por mim e dize

A memória do mar antigo

Dizem que o mar não tem memória. Mas não é verdade. Eu conheço um oceano cujas águas tépidas guardam as mais verdadeiras memórias de mim. É a morada de paisagens, de sentimentos, de histórias que não se perderão jamais. O depósito de olhares trocados, de horizontes partilhados, de mãos entrelaçadas. A reserva da esperança. Nele vivem muitos eus que se foram escondendo no tempo, mantendo-se e vivendo nesse tempo que é o deles mesmos. Mesmo. Gostava de te ensinar estes segredos do mar antigo. Mostrar-te a velha sabedoria contida no pulsar ritmado (e rimado) das ondas. Fazer-te perceber a antiguidade de que é constituído o azul-escuro do Atlântico. Mas há descobertas que têm de ser feitas individualmente. Este é um destes casos. Posso apontar-te o caminho, mas só tu o poderás percorrer. Porque o mar exige exclusividade. Não permite ser partilhado. Cada memória tem de ser depositada solenemente, num gesto solitário. Terás de ser tu a enchê-lo com as tuas próprias memórias. Terão de ser as

Há um ano, no dia 12 de outubro, foi assim!

Um! Um dia, Uma borboleta, Um beijo. Um. Um suspiro, Um sorriso, Uma orquídea, Um toque. Um. Uma deusa, Uma flor, Um carinho, Um mês. Um. Um caminho, Uma vida, Um pai, uma filha, Um ano.

O prazer de pensar

Vem, dá-me a mão e segue-me. Entrelaça, com força, os teus pequenos dedos nos meus. Sente o calor que te guia, a alma que te vela, a mão que te agarra. Estás segura? Então partamos juntos, à descoberta. Quero que adquiras o prazer de pensar. Que percebas que pensar é um dom em si mesmo. Que nem todos os pensamentos precisam ter um objetivo. Aliás, que os mais belos são efetivamente aqueles que nascem apenas do prazer. Pensar, apenas porque sim. Porque não se tem mais nada para fazer. Porque não há nada mais importante para fazer. Porque pensar foi a maior dádiva que a natureza nos deu. Porque nenhuma energia é mais bem empregue. Quero apresentar-te à filosofia, à literatura, à história, à música. E, com estas companhias, sigamos, bem juntos, os trilhos velhos do pensamento. Libertemo-nos das tralhas, sacudamos o pó e partamos, minha querida. Sabes, a reflexão tem propriedades redentoras. Ao contrário do que vulga dizer-se, Deus salva-nos pelo pensamento. Enquanto pensamos, rejuve