Pequenos delírios ou como de um blog se pode fazer palimpsesto (ou no que dá reler Gogol)
Às vezes olhamos para o papel e vemos emergir palavras que nele foram escritas por outros dedos, por outras mãos, com outra tinta. O sangue de dragão volta a tingir de vermelho a alvura do que se nos depara pela frente.
Uma espécie de estenografia deixada por almas mortas (teria razão, Gogol? Podem as almas morrer?). Um texto ditado (ou deitado?) em línguas que desconhecemos.
Vão-se formando as palavras, uma a uma, pausadamente. Inicialmente, sem ordem aparente, nem grande nexo. Mas, à medida que se vão constituindo grupos, uma lógica misteriosa começa a ganhar forma. Percebemos a mensagem que nos foi deixada por esses fantasmas passados e eternizada com tintas invisíveis. Espectro espalhado, derramado, para ser descoberto por quem está disponível para emprestar o seu sangue; que dê vida aos dedos descarnados.
À nossa frente, como se iluminados pela luz trémula de uma lamparina, emergem as perguntas:
- És o meu maior caso perdido? Ou a noiva antiga é apenas memória do dia que nasceu?
E perante as questões, apercebemo-nos que o que julgávamos palimpsesto é na, realidade, campo fértil para a emergência de sinais, que não são novos, como desejávamos.
Julgávamos ter escapado, tanto tempo depois. Mas não nos conseguimos esconder de espíritos vagabundos. Não para sempre.
E as palavras antigas que repetem-nos, uma vez mais, a verdade da sua contemporaneidade: as maiores paixões, aquelas que nos seduzem, não são as mais nobres. Porque um livro é um livro e uma borboleta é uma borboleta!
PS - E digo borboleta, para não chamar traça!
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