Ama porque é lento


Amo uma ideia. Amo um objeto. Amo uma pessoa. Amo duas pessoas. Amo dez pessoas. Amo um livro. Amo uma música. Amo um autor. Minto, amo dois, três, cinco autores. Amo a Clarice, o Philip, o Albert, o Fiodor, o Umberto. Amo os russos e os americanos. Amo os existencialistas e os niilistas. Amo Deus.
Não amo a ausência. E o tempo para amar não se compra. Não se compara. Amo a alma e o corpo (mas se conheço o corpo, como posso conhecer a alma?).
Não se pode amar sem corpo. Sem corpos. Para haver amor, é sempre necessário haver mais do que eu. E eu sou apenas uma ideia de mim próprio. Tu, quem és? O que és?
O Homem-lento não tem razão: não se pode amar por dois. Um nunca ama tanto. Eu, certamente, não amo. E não sou um homem rápido. Porque amar é cuidar. E cuida-se sendo-se cuidado e sendo-se cuidadoso.
Uma relação amorosa é apenas real quando os envolvidos olham da mesma forma para o que lhes está entre as mãos. Porque duas mãos não são suficientes para guardar o segredo. São necessárias mais. Ou então perde-se, escorre por entre os dedos. Amor é água. Salgada porque é mais leve.

O Homem-lento desespera ante a possibilidade de não conseguir amar por dois. Porque sabe que de outra forma não tem qualquer possibilidade de abandonar o seu estado solitário. Sabe que assim está condenado.

E ainda que reconheça estar a ser enganado pelo seu desejo (e amar apenas uma ideia que criou e não uma pessoa, porque a pessoa não é quem ele imaginou ser), não se consegue libertar. Porque não quer. Porque não pode. Porque é lento demais!

PS - E sabe que não é amor. É obsessão. E sabe que nunca houve relação: imaginou-a!

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