Derelictionis.
A obra é sempre mais abominável aos olhos do criador, porque
reconhece em si próprio aquilo que mais o assusta.
A resposta à criatura é sempre terrível. E nunca sabe porque
foi criada.
Se nos encontrássemos junto de Deus e perguntássemos porque
é que nos criou e a resposta fosse apenas: porque posso! Porque consegui!
Porque foi possível!
Haverá resposta mais radicalmente aterradora para a criatura?
Nós, que esperávamos obter como resposta a eternidade do amor divino. Que
esperávamos ser seu objeto, que julgávamos ser a sua construção mais completa, a
sua ação mais perfeita, a obra concluída. Como pode a criatura conviver com a
ideia de que afinal é apenas um protótipo, parte de um processo por concluir?
Que consequências traria, ao homem, essa indiferença do criador ante a
existência da criatura?
No peito do homem bate a revolta e
toda a sua alma grita a sublevação. Clama o amor do deus, a promessa que lhe
foi feita.
E porque o não pode ter, matou o
criador.
Aconteceu uma noite depois de tanto tempo de conversas
inúteis, de pedidos esquecidos, de perguntas nunca respondidas.
Por si, matou o criador.
Retirou-o da lista das suas afeições. Não o matou
literalmente, porque não se mata literalmente uma ideia. Ainda que seja uma ideia
errada.
A Morte, aqui, significa o esquecimento, o abandono, a
ausência.
Abandonou a ideia do criador e esqueceu que é criatura.
Derelictionis.
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