Uma reflexão e uma nota - JM 20-09-2024
Tanto é o
que precisamos de lançar culpas a algo distante quando o que nos faltou foi a
coragem de encarar o que esteve na nossa frente
José Saramago, in O homem duplicado
I - Nós, portugueses, adoramos encontrar culpados para tudo, seja
em situações pessoais, sociais ou políticas. Não discutimos as causas - nem
interessa fazê-lo! -, nem as soluções para os problemas, ou a complexidade dos
mesmos. Relevante é identificar um alvo contra o qual possamos dirigir as nossas
frustrações, os nossos receios e até o nosso ódio.
E se de um ponto de vista pessoal, atribuir a culpa a alguém é
catártico e pode trazer algum alívio pontual – essencial para o nosso o nosso
bem-estar emocional -, de um ponto de vista social e/ou político, haverá menos
aspetos positivos. Aliás, atribuir culpas a figuras públicas e, muito
concretamente, a decisores políticos, é tentar condicionar a sua ação,
atirando-lhe para cima o odioso de uma situação em particular. Identificamos um
culpado, um inimigo comum, para que a turba o possa apedrejar e assim livrarmo-nos
dos nossos adversários. Não há elevação nenhuma nessa atitude.
Esta é uma estratégia seguida por todos os partidos, com especial
incidência na oposição, por ser aspirante ao poder, e por não ter
responsabilidades nem poder de decisão.
O
problema é que quando se atribui “culpas” na gestão da “res pública”, está-se a
falar de negligência de um agente público no desempenho de suas funções. Só que
a culpa é um elemento subjetivo, que decorre da moralidade. E quando nos
focamos em “culpas”, esquecemo-nos da responsabilidade da administração
pública, que pode ser objetiva, sem haver um ou mais culpados. É esta reflexão
e este esforço que todos nós devemos fazer quando vemos agentes políticos a
atribuírem culpas a titulares de cargos públicos. Para não sermos enganados.
Dou
um exemplo, alguns partidos da oposição, a começar pelo PS-M, fizeram diversos
requerimentos, na Assembleia Legislativa Regional bem como na Assembleia da
República, para audição de diversas entidades, na sequência dos incêndios que
deflagraram na Madeira. O que pretendem os socialistas não é aferir
responsabilidades ou retirar consequências, de forma a garantir uma análise
cuidadosa, para prevenir problemas futuros. Como se viu, pelas diversas
declarações, pretendem é encontrar culpados, ainda que não existam. E mesmo que
a estratégia de combate às chamas tenha sido correta, conforme parece ter sido.
Aliás, estas comissões e audições, apenas servirão para extremar as posições e
polarizar ainda mais a sociedade, sem que daí resulte qualquer benefício para o
povo madeirense. Politiquice, que não serve nem interessa aos madeirenses. E
esperem, porque vão fazer o mesmo relativamente aos incêndios no continente ou
à operação policial que decorreu nesta semana. Porque esta é rigorosamente a
mesma atitude dos que adoram justicializar a política. Os justiceiros que
identificam os criminosos, mesmo que não existam criminosos. E aqui vamos…
II
– Aquando da instituição da autonomia da Madeira, ficou consagrado que este
regime se fundamenta nas características “geográficas, económicas, sociais e
culturais e nas históricas aspirações autonomistas das populações insulares.” Por
aqui se vê que o legislador constitucional reconheceu especificidades próprias
ao povo madeirense e por isso concedeu à Região órgãos de governo próprio. O
que nos torna numa comunidade regional, a quem não podem ser recusados direitos
de participação política. Por si só, isto justifica e fundamenta a alteração
eleitoral para permitir que os nossos emigrantes votem para a Assembleia
Legislativa Regional.
Porque quem vive fora da Madeira pode manter
interesse nos rumos políticos da Região, seja por pretender regressar, por
manter investimentos e património (pagando cá impostos), ou apenas pelo sentimento
de pertença e identificação com as características culturais e sociais que
caracterizam a Madeirensidade.
Pode-se
colocar a questão: mas quem é que vota? Há várias possibilidades. A primeira
seria identificar como “cidadãos madeirenses” todos os cidadãos
portugueses residentes na Região, bem como aqueles que, sendo residentes no
estrangeiro, sejam naturais da Madeira. Outra possibilidade, para incluir os
lusodescendentes de origem madeirense, seria fazer um recenseamento eleitoral
específico. Haverá outras possibilidades. Importante será que os partidos se
ponham de acordo e consensualizem uma solução. Porque é uma aspiração legítima
das nossas Comunidades e os nossos emigrantes merecem!
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