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A mostrar mensagens de 2012

Governo antidemocrático

Será este governo democrático? Um governo democrático é um governo dialógico que reconhece a importância da sua legitimidade de governar, como também reconhece que outros são igualmente representantes do povo e que por isso devem ser ouvidos e as políticas com eles devem ser debatidas, não de uma forma dogmática, mas com abertura para que da diversidade emerja uma política equilibrada que sirva a todos. Essa é a raiz da democracia. E o PSD, o CDS e o PS são tradicionalmente classificados como partidos do centro, partidos não radicais, logo mais dignos de confiança eleitoral, porque defendiam esta perspetiva, ante a clássica radicalidade ideológica do PCP. Ora, hoje, não é isso que se passa. O PSD e o CDS já não são partidos de centro. São partidos radicais de uma direita liberal. Não são dialógicos, porque não negoceiam: não negoceiam com os nossos credores, não negoceiam com restantes partidos, não negoceiam com atores da concertação social, não negoceiam com poder local, não negoceia

Ditos de Beatriz II (atualizado)

- O pai pisgou-se. Atrás dele... (Quando eu e a tua mãe falávamos mais alto): - Icho não. Pára com icho. Calma... (Mente inquisidora, a apontar para coisas e pessoas): - O quéisto? - Quem éisto? O tua mãe diz-te: - És fresca, és.... Respondes. - Eu, nem pensar... Uma macaca com 27 meses)

Pink Floyd

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Amo Pink Floyd. Quando, em criança, ouvi pela primeira vez, fiquei apaixonado para a vida. E como qualquer purista amante de Pink Floyd, nunca perdoei David Gilmour por ter forçado a saída de Roger Waters da banda. Porque Pink Floyd sem Roger Waters não é bem Pink Floyd. E os álbuns sem o histórico vocalista (perdoa-me Syd Barret) perderam algum valor. E sempre achei que se era para sair alguém, mais valia ter saído Gilmour. Contudo, hoje, tenho a profunda convicção que a banda perderia tanto, ou até mais se, ao invés de Waters (perdoa-me agora, tu, Roger), tivesse saído o David. Porque a fender é vital aos Pink Floyd. E ninguém a toca, no espírito da banda, como David Gilmour. Espero conseguir ensinar-te a gostar tanto de Pink Floyd como eu, minha querida.

Dos olhos iníquos ou quando as sensações e sentimentos provam ou desmentem a epistemologia moderna.

Fala o homem lento. Não sei como poderia achar-me apaixonado por uma alma tão pueril, tão imprudente? És demasiado nova para o amor calmo e terno da velhice. Para o amor sublime. Como poderás ser amante, se não sabes ser amiga? Como poderias ser curandeira, se nem serves para acalmar o estado febril? E a solidariedade é uma flor que se cultiva. Não é a parasita do jardim. És selvagem, mas não és orquídea. E não, não é o olhar feminino que determina a evolução, porque a origem da beleza reside na opção pela bondade… E essa não encontra a resposta no darwinismo. O sabor a morango que se desprende dos teus lábios apenas comprova a iniquidade do que vive agarrado aos teus olhos. Porque hoje sei que não tens olhar. O olhar exige a compreensão da distância e não apenas o que vive na iris. E os fantasmas estão sempre tão próximos, porque são sombras no glóbulo ocular. São a miséria que tens para oferecer. Por isso, recuso a inundação da saliva que me prometes, a humidade tépida com que

Ditos de Beatriz (ATUALIZADO)

Com dois anos. - Só um cadinho de bolo e não há mais! - Sho Mané, dois cafés e çucar. - Pa casa não. Passear. - Pai, não fujas (quando tu é que foges...). - Não corras (e desatas a correr). - Não é justo. A Inês a fazer óó... (porque querias brincadeira). - Shopa não. Batata! - Beatriz, não sejas má. Resposta: - Não é. És tu. Beatriz é linda!

Smart girl :).

E aos dois anos e um mês, sais-me com esta: ó pai, porque pões o (tele)jornal? Acabou-se o (tele)jornal.

Folhas mortas

Uma folha em branco. Nada emerge dela. Não se desenha um sorriso, não se ilumina nenhum olhar. Nenhuma voz amiga se ouve. Apenas a folha em branco. Um branco translucido, que não permite desflorar qualquer imagem, qualquer palavra, que nela esteja escondida. O sentido, se o há, oculta-se, dissimula-se. É aqui que reside a solidão, nesta folha que não se desfolha. A névoa que não se desvanece. Foram anunciadas formas se nos atrevêssemos agarrar à folha. Somos ousados, fazemos o que nos mandam e nada acontece. Depois, depois é a cegueira de desejos proibidos. É, eu sei que isto parece conversa de velhos. Mas aqui não há novos. Esta é a fase em que a história para ser contada é de um velho, sim, é certo, que conheceu o mar, mas que não teve mãos para o agarrar. E o mar é grande demais que nos transformaríamos em estátuas de sal se o quiséssemos possuir todo. Tentou-se bebê-lo, mas o travo amargo pode-nos afogar. Os trilhos que se nos abrem são pouco amistosos e no mundo líquido não

True light ou uma tentativa de contar histórias, quando nada se tem para contar.

No negro silêncio da noite, ele não viu o sorriso que lhe incendiou o rosto. De resto, não viu nada. Sentia o calor confortante da sua cabeça encostada ao peito. Ouvia o gemido baixo, lento, quase como um cântico. A Missa de Mozart.  Um choro sufocado por uma alegria radiante. Mas não lhe viu o sorriso. Perdeu o mar que derramava dos seus olhos. E se o soubesse, anular-se-ia irremediavelmente. ------------------------------------------------------------------------------------------------------------ Ela teve a certeza de que a sua semente havia ficado dentro de si. Que desta vez não havia erro. Ali, naquela noite, tinha sido dado início ao lento processo de germinação de uma nova vida, que não sendo um ou outro, era ambos e, no entanto, muito maior do que qualquer um deles poderia alguma vez ser. ------------------------------------------------------------------------------------------------------------ Ele nega, mas gosta de folhear a tarde de outono, página a página,

Fala Elisabeth Costello*

Paira no ar um cheiro a dor. Escrevo-te estas linhas para que não te esqueças. Porque um sorriso faz-te esquecer e perdoar com demasiada facilidade. E o perdão é para ser concedido devagar, com merecimento e apenas podes legar às memórias mortas aquilo que já não te queima. E hoje cheira a dor e é assim que te deves manter. Não te podes deixar levar pelo sorriso fácil, espontâneo e estridente. Não te deixes contaminar pela sua alegria, que te engana; pelo seu olhar, que te faz perder a angústia que te mantém inteiro, consciente, racional, integral e íntegro. Talvez ela  não o faça propositadamente, não será genial o suficiente. Contudo, faz-te navegar num vaivém constante entre um estádio e outro e nesta arte de marear sentes-te nauseado. Vomita-a da tua boa.** Recorda-a como ela é para ti: a imagem da deusa que não queres seguir. A Dor. Quando encarares o seu olhar sorridente, quando a olhares inteira, nota que ela sobe a bainha para te torturar com a suavidade lívida e estonteant

A voz da mulher

Eu não sei o que foi o passado. O passado passou. Lembro-me que me apaixonei. Não queria, nem me apercebi da sua chegada. Mas, de mansinho e insidiosamente, ele foi-se instalando. Foi ocupando espaços que se encontravam vagos que eu não sabia existirem. Foi uma viagem serena, a deste sentimento. Foi seguindo pistas antigas: aqui uma planície, ali uma mão quente. O conforto de sentir o sol tépido de maio no rosto. Foi o despertar destas memórias que o catalisaram para mim. Inicialmente era apenas mais um trabalho. Mas a angústia que se lhe desprendia do olhar enternecia-me. E sentindo o seu corpo, frágil, gelado sob as minhas mãos, comecei a sentir o calor que derramava nos seus olhos. Apenas o olhar era quente. Um vulcão que emerge da mais gelada das tundras. O nascimento de uma estrela nas profundezas gélidas do universo. Então, as suas palavras sabiam a lágrimas, que bebia sofregamente. Era uma espécie de droga: inebriava-me com a sua tristeza. Se chegava e via-o mais bem-h

Limit to love

O Homem-lento sai para a luz. Está farto de ser prisioneiro e verdugo de si próprio. Está saturado da sombra para onde se recolheu. E ao sair, percebe que a flor lilás morreu. Que a flor morreu lilás. Compreende que perseguia a imagem cristalizada de um dos seus retratos cor de sépia. O fino contorno dos lábios, o olhar terno, as mãos seguras eram apenas a projeção da sua fantasia. Ela, a que ele julgava ser a sua redentora, era demasiado colorida para poder ser a curandeira, a enfermeira. Ela não veio para o salvar da morte e da ausência. Ela não emergiu desse mundo querido. Ela apenas veio porque sim. Porque ali estava, naquele dia. Porque esse é o seu trabalho. Mera casualidade, nada de causalidade. O belo, se o tinha, havia reservado para um lar longe do seu. O fogo que queimaria a sua pele não seria o das suas mãos. Era outro; era por outro; era para outro. E de repente a agonia termina. A náusea por se sentir perdido desvanece-se. Não vomita mais a sua fealdade, p

Ladrão de juventude

A solidão do Homem-lento acompanha sempre a sua sombra. Caminham lado a lado sem darem conta das suas presenças. A sombra, negra mas leve, precede o Homem-lento. A solidão, contudo, vem sendo carregada sobre os seus ombros, inclemente e indiferente ao defeito do homem. Sabe que apenas ela o salvaria e por isso está disposto e engolir às golfadas toda a sua juventude. Ainda que isso a transforme. Precisa dela para se sentir vivo, para continuar a acreditar que a vida tem sentido. É velho, é lento, é defeituoso, mas não quer ser absurdo. Quer continuar a viver. E apesar de ter consciência da extravagância que é, na sua decrepitude, desejar ainda um corpo e uma alma, não tem forças para resistir. O apelo da sua mente jovem, a macieza de seda da sua pele, a fragrância a orquídeas, antúrios e lírios que dela exalam, são demasiado apelativos. Frémito, teme cheirar demasiado a velho pelas bolas de naftalina que guarda nos roupeiros e se perdem nos bolsos. Desconhece que é o cheiro a

E porque é lento, não tem direito a amar*

Ridículo. O Homem-lento não tem direito ao amor. Não vê a sordidez escandalosa e obscena que é o homem-de-uma-perna-só desejar o corpo saudável, pleno de vida, de uma mulher jovem? Que lhe passará pela cabeça? Terá mesmo acreditado que ela o amaria? Que ela substituiria a paixão que sentia, por afeto e admiração? Que era digno de sentir a pele macia das suas coxas nas mãos velhas, calosas e gastas? Que poderia ser dono da suavidade de seda da pele dela? Exaltava-o imaginar ser merecedor de uma massagem apaixonada. Beijaria os seus olhos, beberia as suas lágrimas sofregamente: sim, meu amor, não chores, estou aqui para ti, não te deixarei, não te abandonarei nunca, acompanhar-te-ei sempre, desde que me prometas amor eterno, afinal já não falta muito, a eternidade para mim são apenas uns anos, sim meu amor, fica comigo, beija-me e ama-me, venera-me até ao fim, deixa tudo, vá, mesmo que não deixes, associa-me à tua vida, inclui-me na tua lista de afetos, só ele e eu, ninguém mais, p

Ama porque é lento

Amo uma ideia. Amo um objeto. Amo uma pessoa. Amo duas pessoas. Amo dez pessoas. Amo um livro. Amo uma música. Amo um autor. Minto, amo dois, três, cinco autores. Amo a Clarice, o Philip, o Albert, o Fiodor, o Umberto. Amo os russos e os americanos. Amo os existencialistas e os niilistas. Amo Deus. Não amo a ausência. E o tempo para amar não se compra. Não se compara. Amo a alma e o corpo (mas se conheço o corpo, como posso conhecer a alma?). Não se pode amar sem corpo. Sem corpos. Para haver amor, é sempre necessário haver mais do que eu. E eu sou apenas uma ideia de mim próprio. Tu, quem és? O que és? O Homem-lento não tem razão: não se pode amar por dois. Um nunca ama tanto. Eu, certamente, não amo. E não sou um homem rápido. Porque amar é cuidar. E cuida-se sendo-se cuidado e sendo-se cuidadoso. Uma relação amorosa é apenas real quando os envolvidos olham da mesma forma para o que lhes está entre as mãos. Porque duas mãos não são suficientes para guardar o segredo. São n

Derelictionis.

A obra é sempre mais abominável aos olhos do criador, porque reconhece em si próprio aquilo que mais o assusta. A resposta à criatura é sempre terrível. E nunca sabe porque foi criada. Se nos encontrássemos junto de Deus e perguntássemos porque é que nos criou e a resposta fosse apenas: porque posso! Porque consegui! Porque foi possível! Haverá resposta mais radicalmente aterradora para a criatura? Nós, que esperávamos obter como resposta a eternidade do amor divino. Que esperávamos ser seu objeto, que julgávamos ser a sua construção mais completa, a sua ação mais perfeita, a obra concluída. Como pode a criatura conviver com a ideia de que afinal é apenas um protótipo, parte de um processo por concluir? Que consequências traria, ao homem, essa indiferença do criador ante a existência da criatura? No peito do homem bate a revolta e toda a sua alma grita a sublevação. Clama o amor do deus, a promessa que lhe foi feita. E porque o não pode ter, matou o criador. Aconteceu u

Silêncio e outros delírios pesudoliterários

Depois do encantamento, vem o silêncio. Dizem que o silêncio domina o universo. E por isso, é irmão da solidão. Porque a vastidão infinita é solitária e silenciosa. Estão um para o outro como siameses, interdependentes. São vácuo cósmico. O nada, potência de tudo. E precisam do homem para existir. Porque é da carne humana que se alimentam. Sugam o sangue, que é combustível para a expansão do universo. Porque me desiludo? Creio que sabes. Porque no céu há estrelas e há matéria negra. E se não sabes, és ainda outra. PS - Todas as minhas palavras são tuas. E por isso as escrevo aqui.

Pequenos delírios ou como de um blog se pode fazer palimpsesto (ou no que dá reler Gogol)

Às vezes olhamos para o papel e vemos emergir palavras que nele foram escritas por outros dedos, por outras mãos, com outra tinta. O sangue de dragão volta a tingir de vermelho a alvura do que se nos depara pela frente. Uma espécie de estenografia deixada por almas mortas (teria razão, Gogol? Podem as almas morrer?). Um texto ditado (ou deitado?) em línguas que desconhecemos. Vão-se formando as palavras, uma a uma, pausadamente. Inicialmente, sem ordem aparente, nem grande nexo. Mas, à medida que se vão constituindo grupos, uma lógica misteriosa começa a ganhar forma. Percebemos a mensagem que nos foi deixada por esses fantasmas passados e eternizada com tintas invisíveis. Espectro espalhado, derramado, para ser descoberto por quem está disponível para emprestar o seu sangue; que dê vida aos dedos descarnados. À nossa frente, como se iluminados pela luz trémula de uma lamparina, emergem as perguntas: - És o meu maior caso perdido? Ou a noiva antiga é apenas memória do dia que nasc

Paradoxo do voluntariado

Sempre tive um sentimento ambivalente e até paradoxal relativamente ao voluntariado institucional. Movimentos como o Vamos limpar Portugal ou outros similares têm o condão de me causar desconforto. Porque se admiro a generosidade daqueles que estão disponíveis para participar nestes projetos, também sinto que à sociedade cabe exigir às instituições públicas (e privadas) que cumpram as suas obrigações. Quanto mais limparmos ribeiras e bosques, menos o farão as instituições competentes. Devemos exigir, parece-me, às autoridades fiscalizadoras, que o façam de forma exemplar e que punam implacavelmente os infratores; ao poder legislativo, devemos exigir a produção de leis dissuasoras; às instituições responsáveis pela higiene, que procedam à limpeza desses locais. Este é o papel da sociedade e dos cidadãos. Porque pagamos os nossos impostos para que assim seja. Não nos compete ir limpar espaços de outrem (públicos ou privados). Diariamente observamos o quão contraproducente pode ser o v

Não observo os teus sonhos

É possível a observação de sonhos? Às vezes parece-me que os meus sonhos são profanados por olhos indiscretos. Uma espécie de big brother dos sonhos que nos espiolha e vigia aquilo que vamos sonhando. Terei algo a recear? É provável que não, mas nunca é agradável imaginar que esta nossa morada seja invadida por um qualquer olhar estranho e estrangeiro a este lugar que achamos ser nosso. A profanação do meu lugar sagrado, que sou eu. Uma invasão despudorada e até obscena da minha alma. Vem isto a propósito de ter olhado para ti esta noite, enquanto sonhavas. A minha primeira reação foi desejar estar no teu sonho, fazer parte dele. Ou, pelo menos, poder adivinhar aquilo que sonhavas, poder observá-lo, para te conhecer um pouco mais. Para apenas estar lá, contigo, nesse mundo para onde foste e não me levaste. Creio que até senti uma pontinha de ciúme. Porque quando se ama da forma que eu te amo, quer-se integralmente, a todos os momentos, em todos os lugares. Mas rapidamente ganhei co

Dois anos - Parabéns, meu amor!

Há dois anos que nascemos: tu nasceste, filha; eu nasci pai. Contigo, trouxeste os dois melhores anos da minha vida. A felicidade não existe sem ti e por isso estou-te grato. Obrigado, minha filha por me permitires ser feliz. Desde que nasceste que tens proporcionado emoções que eu não sabia existirem. Sim, é verdade que não se sabe o que é ser pai, até se ser. Digam o que disserem. E desde esse momento inicial, em que te ouvi o primeiro choro e que te vislumbrei o primeiro olhar atento ao mundo, que te estou devedor. Mas, se já não fosse tanto, em todos estes dias que temos partilhado mostras como a vida contigo pode ainda ser melhor. A forma carinhosa como olhas para quem amas; os teus abraços; os teus beijos ternos (acompanhados por dulcíssimos “quida amor”); as tuas gargalhadas - por Deus, as tuas gargalhadas (sempre que as oiço, só me apetece chorar) são momentos únicos que partilhas e que me fazem viver um pouco mais. O teu sorriso traquina quando, a correr, passas por mim e dize

A memória do mar antigo

Dizem que o mar não tem memória. Mas não é verdade. Eu conheço um oceano cujas águas tépidas guardam as mais verdadeiras memórias de mim. É a morada de paisagens, de sentimentos, de histórias que não se perderão jamais. O depósito de olhares trocados, de horizontes partilhados, de mãos entrelaçadas. A reserva da esperança. Nele vivem muitos eus que se foram escondendo no tempo, mantendo-se e vivendo nesse tempo que é o deles mesmos. Mesmo. Gostava de te ensinar estes segredos do mar antigo. Mostrar-te a velha sabedoria contida no pulsar ritmado (e rimado) das ondas. Fazer-te perceber a antiguidade de que é constituído o azul-escuro do Atlântico. Mas há descobertas que têm de ser feitas individualmente. Este é um destes casos. Posso apontar-te o caminho, mas só tu o poderás percorrer. Porque o mar exige exclusividade. Não permite ser partilhado. Cada memória tem de ser depositada solenemente, num gesto solitário. Terás de ser tu a enchê-lo com as tuas próprias memórias. Terão de ser as

Há um ano, no dia 12 de outubro, foi assim!

Um! Um dia, Uma borboleta, Um beijo. Um. Um suspiro, Um sorriso, Uma orquídea, Um toque. Um. Uma deusa, Uma flor, Um carinho, Um mês. Um. Um caminho, Uma vida, Um pai, uma filha, Um ano.

O prazer de pensar

Vem, dá-me a mão e segue-me. Entrelaça, com força, os teus pequenos dedos nos meus. Sente o calor que te guia, a alma que te vela, a mão que te agarra. Estás segura? Então partamos juntos, à descoberta. Quero que adquiras o prazer de pensar. Que percebas que pensar é um dom em si mesmo. Que nem todos os pensamentos precisam ter um objetivo. Aliás, que os mais belos são efetivamente aqueles que nascem apenas do prazer. Pensar, apenas porque sim. Porque não se tem mais nada para fazer. Porque não há nada mais importante para fazer. Porque pensar foi a maior dádiva que a natureza nos deu. Porque nenhuma energia é mais bem empregue. Quero apresentar-te à filosofia, à literatura, à história, à música. E, com estas companhias, sigamos, bem juntos, os trilhos velhos do pensamento. Libertemo-nos das tralhas, sacudamos o pó e partamos, minha querida. Sabes, a reflexão tem propriedades redentoras. Ao contrário do que vulga dizer-se, Deus salva-nos pelo pensamento. Enquanto pensamos, rejuve

Efeitos de uma crise

Não sei se é efeito da crise, se é porque estou mais atento, mas a verdade é que vejo cada vez mais indigentes na rua. Ou de mão estendida, sentados nos passeios, ou perseguindo-nos às portas e nos estacionamentos dos supermercados. Por norma, carregam ao colo crianças, algumas com apenas alguns meses de vida. Sempre que passo por elas, não lhes consigo enfrentar o olhar. Das crianças. Nos seus olhos vejo refletida, disforme, a minha alma. E é a alma de um pequeno burguês, efetivamente. A imagem de quem ainda consegue manter alguma qualidade de vida perante a miséria que grassa país fora. A pobreza já não está apenas no terceiro mundo. É nossa vizinha, mora já na porta ao lado. E de repente sinto o martelar das palavras na minha cabeça: - à noite os cadáveres ainda são mais pestilentos. O calor da lua fá-los libertar o cheiro nauseabundo da vida perdida. Porque um cadáver é um corpo exaurido de ar. Exaurido de mar. E é no silêncio que a morte grita mais alto. Filha, tremo só

Da política e de mim. Reflexão sobre as minhas opções

E aos 37 anos, aconteceu. Perco o encantamento pela política, porque reconheço que toda a minha vida tenho estado iludido com o sistema político português e com os partidos que dele se apropriaram. Olho para os benefícios que advieram para a maioria dos ex-titulares de cargos políticos nos últimos 30 anos e sou obrigado a reconhecer que muito poucos foram aqueles que estiveram na política para servir o país e o povo português. A política apenas serviu, efetivamente, para seu proveito próprio. E isto é transversal a PSD e PS. Faria de Oliveira, Dias Loureiro, Pina Moura, Jorge Coelho, Armando Mira Amaral, Ferreira do Amaral, António Vitorino, José Penedos são apenas alguns exemplos. E estou certo de que muitos ex-governantes de Sócrates aparecerão (já vai acontecendo, não é, Luis Amado?), tal como muito dos atuais governantes serão putativos gestores milionários de amanhã. Para além de que os negócios da coisa pública têm servido a todos, menos à causa pública. Apenas interesses privado

Espantado ante o absurdo

Camus desvendou o homem absurdo. O homem que já se olhou ao espelho milhares de vezes ao longo da sua vida e que num determinado dia, olha-se e espanta-se. É esbofeteado pelo absurdo, não reconhecendo o outro que está do outro lado. Um outro homem dentro do espelho e que certamente não é o mesmo. Este é o mistério da existência. É o mistério e é a sua verdade mais cruel. O homem está lançado no mundo e perante essa sua própria condição de condenado (a existir), espanta-se e só a partir desse momento começa a ter consciência de si. E é avassalador esse reconhecimento. É a capitulação ante a nossa sombra. A subjugação pela inevitabilidade. A consciência viva de que não somos um sonho sonhada por outrem. Que nem somos sonhados por nós próprios. Mas que a existência é totalidade de ser. Sei, querida, que ainda és demasiado pequena para este esmagamento existencial. Queira eu próprio ter força e sabedoria para te proteger dele. Mas, pelo sim, pelo não, registo a reflexão, não vá dar-se o ca

Désespoir: desesperança ou desespero?

Falava-te de desilusões. Sabes, vivo um período da minha vida em que o desapontamento é predominante. Melhor, reflito agora, não será desapontamento a palavra correta: desesperança! Cada vez mais, espero menos: menos do sistema político que me rege; menos dos meus líderes; menos dos que me cercam. Espero menos das promessas que me fazem; menos dos compromissos que comigo assumem; menos das juras eternas. Espero bem menos dos meus pares, menos dos meus chefes, menos dos meus subalternos. Menos dos meus amigos, menos do presente e, certamente, muito menos do futuro! Talvez porque a desaprendi (os portugueses já não sabem pronunciar esperança), o sentimento parece ter-se, também, desvanecido na planície do tempo. Não sei pronunciar e já não a sinto. Desesperança ou desespero? A língua francesa faz dos dois conceitos, uma só palavra. Contudo, tenho desesperança mas não estou desesperado. Apenas um pouco mais velho, quando gostaria era de ser mais antigo. Mas a vida não tem de ser de

Amontoado de desilusões

A desilusão é um sentimento poderoso. Por vezes, parece-me, não somos mais do que um acumular de desilusões. E, pela vida fora, as desilusões parecem ocupar cada vez mais espaço. Será assim, como o tempo: um dia é demasiado longo quando apenas vivemos 8. Contudo, parece tão pequeno quando já vivemos 8000! Tem a ver com a dimensão. O caminho parece mais curto, quando percorremos já a segunda metade… E de modo similar, creio eu, acontece com as desilusões. Não são importantes quando apenas conhecemos 10 – então, somos tão mais do que isso! Mas, à medida que as vamos colecionando e porque as acumulamos demais – a nossa maior riqueza, no sentido em que é aquilo que mais possuímos -, atinge-se um ponto em que parece nada mais existir para além dela. Talvez seja por isso que os velhos enlouquecem ou morrem. Porque aos velhos desiludidos, nada mais resta do que a demência ou a morte. Ao longo da vida, é-se chegado a um ponto em que a nossa capacidade para colecionar desilusões esgota-s

A marca indelével de Deus

Dizem-nos ter sigma 6 de certeza de que foi descoberta a partícula que confere massa à matéria. A partícula primeira, aquela que transforma a energia pura em densidade. A partícula de Deus. Mas Deus não Tem partículas, não É partícula, não Se reduz ao pormenor. Não pode, portanto, ser a partícula de Deus, aquela que agora descobriram. Até porque Deus revela-se em todo o Universo. É tudo! Apenas uma visão holística poderá abarcar uma faúla de Deus. Por todo o lado vemos a sua assinatura sem que, contudo, consigamos vislumbrar-lhe a mão. Deus esconde-a. Quanto a mim, convivo pacificamente com toda a euforia que cerca a discussão sobre a existência Dele. Se certeza necessitasse, bastar-me-ia olhar para ti, para crer. Porque és o Seu selo, a Sua marca. Quando te sinto cravada na minha carne, quando te experiencio navegar no meu sangue, tenho a certeza de que não é num qualquer bosão que Deus regista a sua assinatura. É em ti e naquilo que nos une: o amor.

A linguagem dos anjos

Hoje vou falar-te de Deus. Conforme te aperceberás ao longo da tua vida, Deus é mal-amado, no mundo contemporâneo. Não há tempo, nem espaço, para amar Deus. Na vertigem a que chamamos mundo, Deus é persona non grata. Fica com esta passagem dos Coríntios. Fala de como se deve amar. “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria. O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; Não folga c

O meu amor envolve-te!

Será o indivíduo apenas um amontoado de moléculas? Como se mantêm, elas, coladas? O que fazem para nos constituírem como seres de vida, como organismos? A gravidade, dizem-nos os físicos. A força mais forte do universo: a atração. A força irresistível que a partícula mais forte exerce sobre a mais fraca. Atração e força irresistível, como sinónimos. É isto que se passa connosco, meu amor? Estaremos a ser vítimas da força mais irresistível do universo, minha filha? Seremos vítimas dessa lei da física? E assim sendo, porque não se misturam as nossas moléculas? Qual é a diferença entre as regras da lei da atração da física e os preceitos da atração física? Em quê diferem elas? Em que se assemelham? São apenas uma e mesma lei? São questões como estas que me coloco quando tenho consciência de que sou irresistivelmente atraído para ti. Quando todos os átomos do meu corpo anseiam por se juntarem aos teus, fundindo-se numa única explosão que nos torne um só. Não, não quero roubar-te a i

Levo comigo a promessa de um beijo: se não me dás, roubo-to!

Percorro os trilhos antigos, sentindo o restolhar de folhas secas ante as minhas passadas. Os coelhos, os esquilos e os restantes habitantes deste bosque fogem, assustados. A atmosfera foi invadida por sons familiares: o vento que desliza por entre as folhas; os galhos que se quebram; o murmúrio das árvores centenárias; o som das pisadas que se afundam na terra ainda molhada; a respiração ofegante. O som ritmado, lento e constante de quem está aqui à descoberta, sem pretender desbravar caminho, mas insistindo em avançar perante a densidade da floresta. Vejo nesgas da luz doirada do sol que trespassa a chama verde de cheiro acobreado que me envolve. Aqui, há um outro mundo para além do mundo, mais silencioso, mais íntimo, mais secreto. Aqui a vida tem um ritmo diferente, o pulsar do coração é mais lento, o sangue não lateja tanto. E é aqui que pressinto com maior intensidade o anjo que me persegue. Não se recua ante a promessa de um beijo. E se hoje te sinto como a realidade que és

Sonhos verdes

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Canterbury, 25 de julho de 2012 Há verde por todo o lado. Rodeia-nos, envolve-nos e parece querer-nos engolir. O verde brota dos bosques, emerge dos relvados, desprende-se das sombras em que está amarrado e jorra dos nossos olhos. Há verde no campo, verde nos edifícios, até as pessoas parecem verdes. O verde é a cor dominante. É o líder. Prende-se a nós como se de uma alga verde gigante se tratasse, incendiando-nos a pele. Insidiosamente vai-nos cobrindo, até inundar-nos o olhar. Enche-se-nos as papilas olfativas. A boca está cheia do verde gramado da clorofila. Choramos verde. Rimos verde. Euforicamente celebramos o verde. Vai-nos possuindo, o verde, até não restar mais nada. (Agora que penso, não sei se queria dizer clorofila ou claro, filha.) Neste mundo verde não há lugar para a profundidade azul do mar. Não se ouve o restolhar escuro dos seixos da praia (poderemos ouvir as cores?). Não há arco-íris, não há o dourado do sol – insinua-se, quando o sentimos beijar-nos a fa

O GPS de Deus

Canterbury, 27 de julho de 2012 Um espectro de luz paira no ar, sobre o bosque de Park Wood. Ilumina a noite que chora orvalho e marca a sua posição junto à janela do meu quarto, qual farol que me guia. É uma centelha do fogo divino, estou certo, que fugiu da sagrada chama para me vir orientar, não vá perder-me nos trilhos arcebispais de Kent. Porque também é possível perdermo-nos nos contos de Canterbury. Sorri-me, essa aparição e julgo ouvir: amo! Amo, ou o mapa que me guia de regresso a casa. O GPS de Deus. Nesta cidade em que por Deus se perde a cabeça. Sou um peregrino, mas não é para aqui que me dirijo. Aqui é apenas o local de partida, seguindo essa aurora que irrompe as nuvens, nesta noite quente e molhada. A minha peregrinação tem como destino locais mais familiares. Muito. E, então, desfaz-se qualquer dúvida para onde tenho de ir. Para onde sou impelido a ir. Porque é a tua voz que oiço a percorrer o céu chuvoso. A minha pequena chama. Obrigado, meu amor, por não te esquecere

Na Grécia, como cá. Agora, como daqui a 20 anos.

Canterbury, 26 de julho de 2012 Korina, Augoustina e Lia são três crianças gregas perdidas nos bosques de Canterbury. As esperanças dardejam dos seus olhos: um futuro promissor; um trabalho. Desejam apenas uma oportunidade para gritar que não são vagabundas, que não são parasitas, que não devem ser responsabilizadas pelos erros dos outros, daqueles que determinam as suas vidas, que as destruíram sem que, sequer, algum dia tenham sido consultadas. Têm 22 anos e acabam de sair da universidade. São miúdas com desejos, que aspiram à vida que lhes foi prometida por gerações anteriores, que lhes inspiraram a ilusão vã de que poderiam viver e ser felizes na sua Grécia. Não compreendem porque têm de ser responsabilizadas pelos atos de governos corruptos, que não se limitaram a descuidar daquela que deveria ser a sua maior missão – a proteção do povo helénico -, mas que, pelo contrário, levaram à catástrofe da sua pátria. Diziam-me as meninas gregas que os ventos que sopravam aquando das s

Eternidade

Gostaria de viver dentro nos teus olhos. Deitar-me sobre a tua iris e repousar lá para sempre. Deixar-me rodear por tudo o que vês. Envolver-me nas tuas lágrimas e garantir a minha própria sombra no teu olhar. A lembrar-te que existo e que estou por ti. Uma mancha negra, projetada na linha de luz que de ti emana. Verdadeira. Um fantasma do qual não podes fugir. Do qual não queres fugir. O espectro de uma outra vida, que em ti mesma vive. Só assim estaria certo de não ser apenas uma lembrança, uma ténue memória. Eternizar-me-ia em ti! Fica bem, querida!

Restart!

Canterbury, 24 de julho de 2012 Beatriz, Passaram-se quase dois anos desde a última vez que te escrevi. Aconteceu no teu primeiro dia de vida. Desde então, tenho-me dedicado a comunicar contigo apenas oralmente. Em parte porque queria habituar-te ao som da minha voz. Mas, principalmente, porque me pareceu que a tua presença exigia-me a palavra falada. Diria que por entender ter outra força, a palavra falada. Mas a razão é talvez mais egoísta: queria sussurrar-te ao ouvido tudo o que estava impresso no meu sangue e não se sussurra escrevendo. O sussurro destina-se apenas aos ouvidos e ao vento. Mas, muito provavelmente devido à distância, sinto uma imperiosa necessidade de te escrever. Sei que me ouves, generosidade da tecnologia (não será a escrita já uma tecnologia, senão a mais avançada tecnologia humana?). Mas não se sussurra ao telefone. O metal que se insinua na voz ouvida ao telefone rasga a palavra viva. Por isso, como não se pode sussurrar ao telefone, posso, pelo menos